ENTREVISTA
AO POETA MIGUEL OSCAR MENASSA Domingo,
14 de abril de 2002
Carmen
Salamanca: Vamos ver, Menassa.
Miguel
Oscar Menassa: Sim, senhorita, como vais?
CS:
Bem. Bom dia.
MOM:
Bom dia, princesa da noite. Como vais?
CS:
“Minha maçã perdida habita em tuas trevas”.
Estive
lendo seu livro que apresentaremos na terça que vem, Monólogo entre a vaca
e o moribundo. Bom, na realidade, na terça passada, porque esta entrevista
sai na quinta-feira.
MOM:
Bom, mas nós a fazemos agora, tampouco vamos enganar as pessoas.
CS:
Na terça que vem, então.
MOM:
Não vamos dizer às pessoas que a fazemos nas quintas, diretamente pela
Internet.
CS:
Não...
MOM:
Fazemos a entrevista nos domingos, ficamos sem dormir para que o povo espanhol
tenha notícias frescas.
CS:
Há uma frase que se repete nestes dois livros que vamos apresentar: “O silêncio
dos povos é o princípio da destruição”, está em ambos, em Cartas a
minha mulher e no Monólogo entre a vaca e o moribundo.
MOM:
Quem sabe o que eu falo contigo sirva ao mundo (isto deve ser bem aclarado na
entrevista), mas eu, quando digo o mundo, falo do Grupo Cero. Quando digo que
meus versos são os melhores versos do mundo, digo: “no Grupo Cero não há um
poeta que alcance a dimensão que eu alcanço em meus versos”. No mundo, se o
mundo ninguém conhece, e além disto, as notícias que conhecemos do mundo são
mentirosas, são todas arranjadas, não vêem que os jornalistas espanhóis não
entendem nada. Lhes chega uma notícia enviada por um estúpido e eles a
colocam, já aconteceu com o assunto de Felipe González e agora com o assunto
de Chávez. Todavia não se sabe se Chávez renunciou ou não renunciou e eles já
o estão criticando como ditador há 48 horas, não se pode fazer isso.
CS:
Voltou a tomar o país.
MOM:Que Chávez não pediu asilo a Cuba porque Fidel Castro disse que não
pediu asilo a Cuba e que parece que o restituem porque querem restituir a
legalidade. Então eu digo: e ninguém percebeu?
O
parênteses é só para dizer que quando eu falo do mundo falo do mundo Grupo
Cero. Em todo caso se queres, faça-o extensivo, por exemplo, ao mundo da
poesia, mas também circunscrita, à poesia em castelhano e às más traduções
às quais pude aceder. Quando digo a psicoanálise é mais geral, porque psicoanálise
há uma só, todo o mundo sabe o que é a psicoanálise, claro, mas também,
segundo os textos de Freud.
Para
que não aconteça o que está acontecendo agora neste momento, eu estou
explicando que quando eu digo “O silêncio dos povos é o começo de sua
destruição”, estou falando das comunidades psicoanalíticas, não estou
falando do mundo, não estou falando da China comunista, nem estou falando dos
Estados Unidos. Estou falando do mundo que estou estudando. Eu digo: “O silêncio
dos povos é o começo de sua destruição” pensando em todas as comunidades
psicoanalíticas que, por calar assuntos genitais, digo isso assim para que se
entenda, assuntos do animal no homem, por calar isso e por calar as questões do
dinheiro, acontece que foram se degradando até abandonar o campo psicoanalítico,
isso é o que digo.
Mas
também é certo, apesar da intervenção recente, que um povo, por exemplo,
como o argentino que esteve em silêncio um monte de anos, também agora que
quer falar não pode, algo está destruído, algo está deteriorado, o silêncio
deteriora um pouco.
Quando
eu cheguei à Espanha em 1975-76, o povo espanhol padecia disso, já sei que o cérebro
serve para isto e para o outro e que as palavras se unem umas as outras
indistintamente, mas o povo espanhol quando eu cheguei à Espanha falava com 200
palavras, isto é, estava num estado de debilidade mental. O silêncio dos povos
e sem dizer que isto quer dizer inconsciente coletivo, é o começo de sua própria
destruição, deterioração mental, deterioração nervosa, deterioração
sexual, deterioração da imaginação e fundamentalmente anulação do processo
simbólico, a questão é toda imaginária, então a única coisa que quer é
eliminar o outro, mas como o outro é mais forte, é um ditador, fico tranqüilo,
lavo minhas mãos.
Então,
mundo é o mundo que controlo. Também tivemos 3 ou 4 sessões de política onde
falávamos disto, falávamos do outro, que evidentemente não faço incursos
nesses campos, mas também é mentira porque uma escola de psicoanálise que não
tem, não uma justa concepção política, mas uma clara concepção política
referida não somente à política psicoanalítica senão à política econômica,
não sei se é uma escola de psicoanálise.
De
todas as críticas que nos fizeram das reportagens, a única que aceito
claramente é porque só me ocupo da política espanhola, não me ocupo da política
argentina... claro, mas então, me dedicaria à política, e já teria que
abandonar as coisas que faço.
O
que quero dizer é que, quando alguém se sentir tão brilhante como eu, tão
agudo como eu para fazer um comentário que eu não tenha feito, pode fazê-lo e
nós o publicamos. Era isso.
CS:
Este livro, Monólogo entre a vaca e o moribundo parece uma conversação
entre o poeta, o psicoanalista, o homem, as diversas funções que leva adiante,
ou os diversos lugares pelos que passa o escritor. Como é essa convivência?
Como é esse estar-não estar? Quero dizer, porque há um momento onde o
psicoanalista diz ao poeta “olhe, eu também sou escritor, não só tu”.
MOM:
Claro, mas quando já lhe aclara que é escritor, já lhe está dizendo que está
conchavado, que está contratado por algo, ou por alguma idéia, ou por algum
estado ou por alguma instituição, ao contrário o poeta é um cantor sem dono.
Quando
escrevo esses textos de psicoanálise já estou comprado. Por quê? Bom, por
meus conhecimentos psicoanalíticos, porque sou o Diretor de uma Escola de
Psicoanálise, porque todo o mundo está esperando que eu diga como entendi os
textos, ou como escutei ou como produzi, ou qual foi minha leitura produtiva.
Por outro lado o poeta, perdoe-me, o poeta é como uma mulher que aparentemente
está ligada, mas vá ver a que está ligada uma mulher. Eu estou seguro de que
a poesia e a polícia estão ligadas a algo, mas vá saber a que, porque se a
polícia estivesse ligada à lei viveríamos muito melhor. E se a poesia
estivesse ligada verdadeiramente à liberdade, também nos daria muito mais graça.
CS:
“A vida era para o poeta suas palavras escritas”.
MOM:
Sim, claro porque quem crê que sua vida é a vida vivida... Dizer que é um
bobo ou um louco é insultar mais da metade da humanidade. Se a outra vez nos
queixávamos de que só a metade da humanidade tem comida, agora poderíamos
dizer que 98% da humanidade dificilmente se dá conta antes de morrer que é
mortal.
CS:
“No princípio todo o mundo terá sua verdade, depois também aprenderão a
mentir: viver sabendo que vão morrer, mas como se isso não fosse ocorrer
nunca, essa é a única graça da vida”.
MOM:
O cara diz que é a única graça da vida porque somos uma espécie mortal,
provimos de sexos, masculino e feminino, de macho e fêmea. Todas as espécies.
Digo-lhe
como o bobo homem reflete às vezes sem refletir. As espécies que se reproduzem
por macho e fêmea são mortais, por isso se reproduzem, para manter a espécie,
mas claro alguém prefere ter nascido de uma abóbora. Está degradado, nasceu
de uma abóbora, não nasceu de um homem e de uma mulher, mas melhor degradado e
imortal, diz o cara, do que agradado mortal.
CS:
Melhor degradado mortal do que agradado imortal.
MOM:
Me parece que o coloquei justo ao revés, depois vamos ver gravado. Justo ao revés,
me parece.
CS:
Me parece que tem a ver com o ofício do poeta isso que diz “sabendo que vai
morrer, viver como se isso não fosse ocorrer nunca, essa é a única graça da
vida”.
MOM:
Eu fiz um último poema, num poemário que agora o estimado, agradável,
luxuoso, inteligente editorial Grupo Cero vai publicar, onde num poema que se
chama “Veio a poesia e me disse” a poesia diz ao homem, o homem sabe que vai
morrer e não lhe importa, sabe que cada amor o mata e, no entanto, se apaixona,
sabe que quando escreve morre e no entanto, escreve. Não sei se o homem que
vive junto com o poeta sabe, mas o poeta sabe que vai morrer. Sua função é
contar as coisas para quando ele não esteja, então olhe só se sabe, isto é,
não sabemos se o homem que acompanha o poeta sabe, mas o poeta sabe.
AD:
Saber não é saber consciente. Quem sabe conscientemente, intelectualmente que
vai morrer não é um mortal. Temer a morte é ser imortal porque já viveste a
morte, como vai temê-la se não a tiver vivido.
MOM:
Vamos ver o que mais leste. Já escreveste o que vais pôr?
CS:
Tenho algumas idéias. Bom, sim, escrevi algo, mesmo que não me agrade.
MOM:
O que escreveste? Por quê? Pergunte, senão vou terminar fazendo eu a
entrevista.
CS:
“Estou absolutamente convencido de que a vida só se pode viver, ninguém pode
pensar sua vida.”
MOM:
Não, porque pergunte ao psicoanalista, o que pensa sua vida é um neurótico
obsessivo que, pobrezinho, não vês como sofre. A vida não se pode pensar,
como se vai pensar a vida. É como se alguém dissesse, “sim, eu penso muito
quando jogo” ou “eu penso muito o jogo”. Não se pode pensar, há que
jogar.
CS:
O momento de pensá-la seria depois quando se escreve, quando o poeta escreve.
MOM:
Eu lhe agradeço que me queira normalizar, mas é como eu lhe digo, que não se
pode pensar a vida, nem antes nem depois; o que se pensa é outra coisa, são
conceitos, noções.
CS:
Estou de acordo, não se pode pensar a vida, a vida se vive, mas quando o
escritor escreve quem sabe logo se intera do que aconteceu.
MOM:
Escreve, disseste, quando o escritor escreve, escreve. E o que fez com a vida? A
desrealizou, então vê que não se pode pensar a vida, se pode pensar na
escritura do poeta que crê que conta a vida, mas essa, a escritura do poeta,
isso já é o poema, já é o ensaio...
AD:
Além disto se a vida só pode ser feita, claro que depois sabes a vida que
fizeste, depois de fazê-la.
MOM:
Só depois saberás, claro. Isto é muito importante, quando algum aluno diz:
“quando entenda o que vocês me dão vou pagar”, você jamais vai entender o
que nós lhe damos se não o paga antes. Vamos ver se podes conhecer o gosto da
alface sem pagar ao verdureiro o que custa a alface, ou sem passar quatro meses
esperando que a alface cresça. Que há coisas que o homem só compreende
fazendo e já não sabemos se é compreensão ou leitura de dados.
CS:
Me lembrei de que Freud disse que há conceitos que só se pode aprender,
compreender, se analisando.
MOM:
Era num trabalho onde dialoga com um jovem imaginário, chega um momento que lhe
diz “o que vem não posso te explicar porque como tens muitos problemas
sexuais, se não se psicoanalisa...”
AD:
Ou se não se transforma para entendê-lo.
MOM:
Se você não opera uma transformação para comprender não pode entender isso,
porque entender isto que eu lhe estou explicando é contrário a como és,
portanto, ou muda ou os mecanismos do eu impedem que escutes o que eu estou lhe
dizendo.
CS:
Diz: “Com a pluma insensata dos boatos eu contarei a história, será em
verso, amanhada, trôpega na encruzilhada de ter que assegurar algo”. Me
chamou muito a atenção essa última frase, “na encruzilhada de ter que
assegurar algo”. A história sempre assegura.
MOM:
A história assegura para quem vai ler a história, mas assegurar algo é sempre
uma coisa comercial, aí o poeta está se referindo a que para combater com os
tramados culturais de Madrid, deveriam ser asseguradas as coisas, se deveria
fazer um pouco como eles, o poeta resiste a ser um deles, ou melhor, conclui que
a única maneira de mudar uma situação é não ser como eles, com o qual fica
um pouco desamparado. Mas, claro, um poeta que crê que fica desamparado porque
crê que não tem uma aceitação cultural é um bobinho. Estou falando de mim,
porque às vezes me acontece que eu digo “não há ninguém que me queira” e
acontece que escrevo um poema diário, como que não há ninguém que me queira?
A língua castelhana tem um apetite por mim. Você que é tão madrilenha, às
vezes, também tem que sentir raiva de que a língua castelhana tenha mais
apetite por mim do que por ti.
CS:
Isso é uma pergunta?
MOM:
É um cocar ao ar que me jogaram a recém.
AD:
Uma interpretação.
MOM:
Queres ganhar, não te acovardes. “Se te prostram cem vezes, te levantas /
outras dez, outras cem, outras quinhentas: / não serão tuas quedas tão
violentas / nem tampouco, por lei, hão de ser tantas.”
“Procede
como Deus que nunca chora; / ou como Lúcifer, que nunca reza; / ou como o
carvalhal, cuja grandeza / necessita da água, e não a implora...”
Por
exemplo este poeta é um poeta genial, mas eu não sou assim, eu creio que o único
que não há que entregar é a poesia, depois há que entregar tudo. Porque para
proceder como Deus que nunca chora teríamos que viver noutro mundo porque no
mundo em que vivemos, além de que choremos ou não choremos, há motivos para
chorar, até mil ou dois mil diários em nível do mundo inteiro. E depois, seja
como Lúcifer que nunca reza, porém povos famintos, povos em guerra, povos
torturados pelos poderosos, se não os deixa rezar não lhes deixa pedir
piedade, porque rezar também é pedir piedade. Vês que é muito difícil ser
como Almafuerte? Eu sou mais conciliador como poeta. Eu creio na transformação
das sociedades.
CS:
E a transformação das sociedades passa pela transformação do sujeito?
MOM:
Assim dito parece mentira.
CS:
É uma pergunta.
MOM:
Quando digo que creio, não disse como, disse que ao crer na transformação das
sociedades e das culturas como bem vejo, nem sempre estivemos no modo de produção
atual, como foi mudando isso. A única coisa que eu digo é que pode ser que não
nos dêem liberdade para viver, pode ser que não nos dêem liberdade para
comer, mas o poeta tem a graça de não necessitar que lhe outorguem essa
liberdade para escrever. Então digo, como os tempos mudam, como o mundo muda,
você em seguida já me perguntou como, eu não lhe disse que eu ia mudar, digo:
tenho como pensamento pensar que o mundo se transforma porque há cinco bilhões
de anos que o mundo vem se transformando, então, seria mais do que um idiota se
penso que a sociedade atual vai ser a sociedade definitiva, humana e a saúde
atual vai ser a saúde definitiva, não, eu penso corretamente, o que acontece
é que como não sei, não tenho nem idéia de como é que se muda este estado
de coisas. Primeiro de tudo trato de me transformar, depois trato de mudar meus
amigos, depois trato de mudar meus inimigos, depois trato de escrever tudo o que
vejo, sinto, apalpo porque algum gênio que não sou eu seguramente entenderá o
que nos acontecia. Não sei se me expliquei bem.
Bom
se me fazem mais perguntas posso seguir falando do tema que é um tema que me
interessa sobremaneira. Porque, como não posso, então não faço nada, é como
se quiséssemos construir um grupo, como estamos fazendo com o Grupo Cero e
evidentemente, cada vez que entra um integrante pelo motivo que seja, se
beneficia mais rapidamente e mais do eu, claro. Então eu tenho inveja ou não
tenho inveja, tenho inveja ou quero o progresso da humanidade, tenho inveja ou
quero gerar uma maneira de viver mais cômoda que a atual. Bom, então tenho que
suportar que cada vez que se aproxima uma pessoa, cheia de críticas, cheia de dúvidas
e cheia de estupidez, apesar disso vai se beneficiar mais que eu. Se eu posso
suportar isso, estamos no mundo, somos humanos e algum dia dentro de 2 ou 3 mil
anos dirão “olha esta gente o que fez, podendo ter ficado com todo o
pescado...”
AD:
Deve ser a escritura então, a máquina transformadora.
MOM:
Eu não o quero dizer assim, mas eu creio que sim. Por que digo que a escritura
é a máquina transformadora? Porque eu não sou idiota, não vivo como escrevo,
eu vivo como escreveram antes de mim.
CS:
“Creio que minha vida é a vida de um personagem literário, não posso me
apartar muito disso quando escrevo”.
MOM:
O cara está pensando nestas coisas, não vês o que me faz. O cara já sabia,
quando escrevia isto já sabia. Um personagem literário, olhe, vamos ver se me
ocorre algum dia: “Deixe-me dizer-lhe a verdade”. Não me deixas, me diz:
que verdade! Estás aqui, fez isto, publicou tantos livros. “Não, eu sou um
ser complexo”. "Não, Menassa, o que vais ser complexo, se o conhecemos
forte, valente". Vais entendendo?
Há
que entender bem isso de que alguém é a escritura, há que entendê-lo bem
porque alguém é verdadeiramente a escritura. Rastreaste no passado dos poetas
que dizem que seu pai é tchecoslovaco e sua mãe índia, se o faz vai se dar
conta de que muitas vezes não tem nada a ver com a realidade material, mas
talvez tem que ver com alguma realidade, bom, que realidade? A realidade da
escritura, porque isso faz com que se gere dessa maneira, como estamos dizendo,
como estamos escrevendo.
O
que acontece Salamanca, está triste? Queres me perguntar pelo Oriente Médio.
CS:
Eu quereria lhe perguntar, simplesmente.
MOM:
Gostarias de trabalhar para o mundo.
Finalmente
a contrataram em El País?
CS:
Não. Era você quem teriam que contratar como antecipólogo de notícias.
MOM:
Eu consegui ser um homem totalmente livre, não me quer nem aquele a quem dou de
comer, nem aquele a quem ofereço meu conhecimento, nem aquele que vive de meu
pensamento, não me quer nem quem aprendeu a querer ao meu lado. É muito
interessante a vida do criador. Porque, quem vai te querer se não pode te
possuir? Já sei, as pessoas não podem ser possuidas. Já sei, mas tem a ilusão
de te possuir.
CS:
No domingo passado perguntei quem eram teus mestres e voltaste a repetir à
tarde, mestre é todo aquele que tenha feito algo antes do que eu.
MOM:
Que tenha feito algo antes que eu...
CS:
E melhor do que eu.
MOM:
Bom, o fato de ter feito antes quer dizer que fez melhor, tanto que para superá-lo
tenho que tomá-lo, tenho que utilizá-lo como sucata, tenho que utilizá-lo, se
queres, como matéria prima.
CS:
Há uma coisa muito interessante, também dizia que o escritor não sabe do que
escreve, mas está obrigado a saber do que lê.
MOM:
Está bem, vamos lhe deixar criar tudo o que queira, mas quando lê, tem que
saber o que lê, quando lê um livro tem que saber o que lê, porque aí vai nos
mostrar que posição tem no mundo. Está bem, nós lhe damos a liberdade,
escreva o que escreva, a escritura não pode ser reprimida porque há um aspecto
do homem que é essa merda que escreveste, mas depois tens que demonstrar que
sabe o que lê, porque igual lendo amas somente o pobre de sua escritura, há
muitos escritores assim. Olhe, se te levantas uma manhã e abre os olhos,
Espanha está cheia de escritores assim. Por exemplo, Paco Umbral vamos perdoar
a estupidez que escreve, mas lê muito mal, entende tudo ao contrário. Ou os da
Escola de Letras, que crêem que as pessoas nascem poeta, lêem mal, isso é
leitura. Escrevem, escrevem um monte de bobagens, estão dizendo que ser
escritor é nobre, ser escritor é como ser rei, se não nasces na casa do rei não
és príncipe.
CS:
Claro que aí pode ser também ideologia, mas há questões econômicas no meio.
MOM:
Como diz?
CS:
Quero dizer que esse pensamento tem implicações econômicas também, de
mercado, quanto mais escritores há menos ganham os que estão...
MOM:
Os escritores não ganham nada.
CS:
Bom, as editoras.
MOM:
Sim, pode ser por isso. Não crescemos nada, não superamos nem o antigo Egito.
No antigo Egito havia uma língua falada pelo povo e havia uma língua escrita
que só entendiam os poderosos; por que digo os poderosos? Porque todas as
transações comerciais eram feitas na língua escrita, com a qual o povo não
podia fazer transações comerciais, seguimos vivendo assim. Os nossos
escritores são todavia romanos, o que vamos fazer, ou gregos, que dá mais ou
menos no mesmo. Uns se emborrachavam diretamente e os outros se emborrachavam um
pouquinho mais tarde porque punham água no vinho.
CS:
Então a vida não tem sentido.
MOM:
Bom, se o quer fazer mais suave, a vida tem cinco bilhões de sentidos. A vida
é como o desejo inconsciente. Viu que terminam dizendo que o desejo
inconsciente não tem objeto, por quê? Porque todo bicho que caminha é objeto
do desejo, que não tem objeto quer dizer que dá no mesmo desta maneira ou
daquela maneira. E isso é a vida do sujeito.
Bom
os filmes se encarregam de nos mostrar que a vida é a do decente, trabalhador
ou a vida é a vida do rico ou a vida é a vida do pobre, também é a vida do
delinqüente. Se pensas um pouquinho, terá chorado em algum fime bem feito
quando matavam o assassino ou detinham o delinqüente ou a prostituta má que
enganava a todo o mundo morria no final e, aí, uma lágrima. Bom se alguém
chorou quando morria o assassino quer dizer que querem nos fazer crer que todo o
mundo tem sentimentos, que tudo são vidas, que o assassino ama sua mãe.
CS:
Todos levamos dentro um assassino?
MOM:
Isso eu não diria, mas claro, depois de 35 anos de análise. Tampouco uma vítima
porque estou me dando conta que se alguém aceita as rivalidades onde se ganha,
aceita perder, que alguém não teria que participar das competições onde se
ganha ou se perde, quer dizer, se eu aceito que todo homem tem um assassino,
também aceito que todo homem tem uma vítima, e eu estou em desacordo com isso
ao sair dessa dialética. Porque, vamos ver Menassa: você é proletário ou
burguês? Poderia chegar a me perguntar um marxista dos velhos conhecidos da infância,
e eu diria nem uma coisa nem outra, eu sou extra-terrestre. E no meu entender,
minha resposta é uma resposta marxista. Quando alguém me pergunta: proletário
ou burguês? Se eu lhe respondesse “eu não sou nem uma coisa nem outra, eu
sou extra-terrestre”, essa resposta seria uma resposta marxista.
AD:Tampouco com a loucura e a razão alguém pode se apropriar da saúde...
CS:
E de política, algum comentário?
MOM:
Sabes o que acontece, às vezes as notícias me fazem tanto mal que me
desentendo um pouco, assim que se me ajudas... Nada, nem leu os diários.
Quer
que lhe diga que ridículos são os jornalistas, hoje em El País que diz
“Argentina não deixa de cair para o abismo”, mas o que eu quero dizer é
que para saber como está a Argentina perguntam à oposição. E, por que não
perguntam a Zapatero como vai a Espanha? Não, isso se pergunta a Aznar, mas
para a Argentina se pergunta às pessoas de Alfonsín, que foram os que caíram,
que mal gosto. E além disto o põem como manchete. Na realidade lá dentro, o
que diz o presidente atual é que em julho eles vão sair desta situação. Não
sei porque diz. Não me interessa que a Argentina tenha razão, eu digo, como é
o periodismo. Eles dizem que o periodismo amarelo não sei qual é, mas eles são
os periodistas amarelos, na verdade.
Eu
estou seguro que essa reportagem pode ter dez títulos melhores do que o que lhe
puseram, por que puseram esse? Ou justo aí se tornam incultos? Não, é que têm
vontade de encher o saco.
Amelia
Díez hoje não se admirou de que na obra As criadas terminem gritando
“Argentina”. As criadas, de Genet.
Público:
É que um castigo é desterrar as pessoas à Argentina e falam de ir ao
Afeganistão e pior que ao Afganistão, Argentina.
MOM:
Não te deste conta de que desde que aumentou a crise econômica argentina
aumentou a publicidade na Espanha com argentinos?
CS:
Um monte de anúncios.
MOM:
Ou seja, que o que estamos entendendo é que todos queremos ganhar um pouco
mais, mas já isso de que todos queremos ajudar o próximo... isso já não
sabemos, mas se sabe que todo o mundo quer ganhar um pouco mais e que se
aproveitam de qualquer situação para ganhar mais dinheiro. Eu creio que se
baixa a venda de jornais porque às pessoas não interessa a política nacional
e deixa de interessar o futebol, eu creio que 100% dos nossos jornalistas veriam
alvoroçados o começo de uma guerra, nada mais a não ser porque se venderiam
mais jornais. Estamos nessa situação.
CS:
Me dou conta de que El País na última estatística dizia: O jornal El País o
único que aumenta suas vendas, mas acontece que tiraram a promoção dos
bilhetes da peseta (que eu sei que grande parte da população estava
colecionando) e aí aproveitaram para dizer que aumentava a venda, deixaram um
tempo e voltaram a tirar. Utilizam truques.
MOM:
Truques, porque és boa.
El
País teria que ter mais cuidado porque é o jornal que nasce com a democracia,
então teria que conservar esse espírito sempre, sob qualquer circunstância, e
está perdendo, já o perdeu.
Agora
querem sanar o problema que tem com Aznar, com os populares. Com o assunto de
Felipe González, que quiseram castigar porque tinham se portado mal e nem sei,
a verdade é que antes haviam rompido o cu de Felipe González com o Colégio de
Médicos, no princípio de tudo, um litígio que teve o Colégio de Médicos com
o jornal El País, ganhou o Colégio de Médicos e depois arremeteram contra o
Colégio de Médicos. Eu creio que certos projetos de medicina que não se
entendia por que eram, eram porque estavam irritados com o Colégio de Médicos.
Considerando que a imprensa é o quarto poder, se transformou por um instante no
quinto poder.
Um
escândalo em tudo, para mostrar o que o século XX foi, diz, a pobreza chegou
até a riqueza.
Houve
uma época, um tempo de minha vida
onde tudo era possível para minhas ambições.
Uma idade houve. Houve uma idade de ouro maciço,
onde amor e dinheiro eram o mesmo, por provir de Deus.
Eu
costumava me estender sobre as orcazinhas diáfanas
e me encontrava com vagabundos, gente de mal viver,
e eu tinha a formosura que dão o ócio e a alegria
e alguns curiosos me beijavam nos lábios e bebiam álcool.
Uma
época, uma idade, ainda hoje recordo tudo.
Uma mulher presa de meus ombros e outra mulher
deixando-se deslizar por meus sonhos mais luxuriosos.
Uma
mulher e outra mulher e, ainda, noite desesperada.
E outra mulher brandindo, como escudo, meu sexo,
iluminado sorriso, ardente tempestade sedenta.
Me
sinto crescer em velocidades supersônicas e isso, precisamente, devo dizê-lo,
me surpreende.
Sim,
também eu fui a pior, a imovível rocha disfarçada de animal sedento, a
que não mudaria nunca, teu maior fracasso.
De
espiguilhas sobre futuras intenções, vejo cair ressecados pensamentos,
cascas vazias que moldaram a golpe de silêncio, meu olhar.
Até
aqui, arrastei vontades alheias, firmes augúrios para meus passos, atávicas
cadeias nos braços.
Fantasio
para o futuro uma mulher madura, serena, bastante mais sábia. O corpo
moldado com rotundidade pela experiência, marca do vivido feito
escritura.
Uma
mulher de intenso atrativo, fêmea pelos quatro costados, que comprou sua
liberdade porque entendeu o preço:
Renunciar
ao trono, encadear-se ao trabalho.
Fantasio
teu olhar de orgulho, quando me concedam o prêmio à Mulher Empresária
do ano.
O
que não vou renunciar, é seguir amando-te. Tampouco me importa que,
tudo, o farei para ser digna de teu amor.
Ela
diz que está arrependida de ter melhorado. Logo houve meia hora de silêncio,
onde eu pensei que ela duvidava de tudo quando não queria duvidar dela.
Ela
dorme ao pé do colchão no chão, que faz as vezes de cama. Me excita vê-la
adormecida aí e creio que não dorme.
Entrecerro
os olhos e a vejo desnuda. Faço contas desesperadamente e me prometo que
na semana que vem estudarei toda a semana. Toco seu corpo adormecido e me
decido a esperar que ela seja duas. Entretanto, vou adaptando a luz a uma
semipenumbra e começa a pulsar meu coração.
Oh,
vagalume encandeado por si mesmo!
Cheguei
a pensar que era uma impertinência despertá-la e esse pensamento, se bem
que me excitou mais, também, me permitiu seguir escrevendo.
DEVO
DIZER: sou um escritor, o resto foi tudo investigação.
Ter
me casado duas vezes, ter tido seis filhos, ter estudado medicina, seguir
exercendo essa disciplina ainda depois de mais de 30 anos, forma parte da
cultura geral que deveriam ter todos os escritores.
Quanto
à pintura, certas práticas sexuais extravagantes, o jogo e certas
inclinações revolucionárias, tudo era ver, tudo era deixar em mim
marcas de escritura.
Eu
tinha que ser feito todo de novo e isso é o que ocorreu, o que estava
ocorrendo.
Índio
Gris
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