ENTREVISTA
AO POETA MIGUEL OSCAR MENASSA Domingo,
24 de março de 2002
Carmen
Salamanca: Vamos ver, Menassa, entrevista.
Miguel
Oscar Menassa: A entrevista, quem é? Salamanca?
CS:
Sim.
MOM:
Escuta-me, Salamanca, trabalhas para o jornal El País?
CS:
Que eu saiba não, pelo menos não me pagam.
MOM:
Tenha cuidado, porque tudo o que eu lhe digo, quinze dias depois aparece como
notícia no diário El País.
CS:
Bom, é que és um bom leitor da realidade.
MOM:
Crês que me antecipo.
CS:
Sim.
MOM:
E por que eles não me contratam, se eu lhes daria as notícias quinze dias
antes?
CS:
É o que eu estranho, que Polanco não tenha tentado contratá-lo como Diretor
de El País.
MOM:
Já exagerou.
CS:
Como analista político.
MOM:
Bom, ou para lhes dar as notícias quinze dias antes. Agora os periodistas e as
agências de publicidade são um pouco grosseiros porque olhem que dizer que
este pequeno italiano, pobrezinho.
CS:
Berlusconi?
MOM:
Não, o outro. É um pouco de direita, mas não é um filho da puta. E os
periodistas dizem “queria afundar o barco com todos os imigrantes dentro” e
ele havia anunciado uma medida de castigo aos contrabandistas depois de tirar os
imigrantes do barco, afundar o barco e chamar a atenção dos outros
contrabandistas de almas. E os periodistas traduziram que o senhor Bossi, como não
o querem (porque de direita sim, mas tão de direita não, não sabem o que
querem), então dizem: “O senhor Bossi quer afundar um barco com 500
imigrantes”.
CS:
Sim, e me pareceu suspeitamente oportuna a reaparição das Brigadas Vermelhas.
MOM:
Ehhh!
CS:
Si, suspeitosamente oportuna.
MOM:
Isto não o ponham. O que quer dizer isso?
CS:
Que foi muito bom pro governo, pode radicalizar um pouco. Justo agora que os
sindicatos protestam, dois milhões de pessoas estavam na manifestação de
ontem.
MOM:
Vocês duvidam de que as Brigadas Vermelhas sejam as Brigadas Vermelhas, é isso
que estão me dizendo? Para isso não me animo.
CS:
Eu escutei uma análise política outro dia e diziam que o grande perigo deste
último atentado não é a reaparição das Brigadas Vermelhas senão que
desestabilize mais o precário equilíbrio político da Itália neste momento. O
que quer dizer que desestabilize? Pode ser uma radicalização.
MOM:
Não sei.
CS:
Diga-nos o que vai acontecer dentro de 15 dias na Itália.
MOM:
Na Itália, eu o digo e vais ver como acerto, na Itália, dentro de 15 dias, vão
seguir falando italiano.
Público:
Na Itália não acontece nunca nada.
MOM:
A Itália interveio em umas 500 guerras, não ganhou nem quando a guerra era
contra os cultivadores de abóbora. Na Itália, com a guerra, acontece o mesmo
que na Espanha com a democracia, tenta, tenta, tenta, mas não pode chegar. A Itália
faz guerra para ver se ganha algo e a Espanha faz democracia: democracia e nunca
pode com a democracia. Eu não sei por que é assim, deve ser porque o desejam
muito. A psicoanálise diz que, às vezes, para que venham as coisas tens
que te fazer de estúpido. E as pessoas, com tanto interesse que tem, tanto
interesse espantam a perdiz.
CS:
Quer dizer que cada país tem uma estética?
MOM:
Oxalá! Têm uma moral, se tivessem uma estética gastariam mais dinheiro na
educação do que em armas para dobrar o inimigo. Para mim parece que está bem
que creias nessas coisas porque como és jovem e me disseram que sem um
desengano forte não há crescimento, me parece bem que creias em todas estas
coisas porque assim, quando lhe vier o desengano, escreverás melhor.
CS:
Psicoanálise do líder, 27 de agosto de 1977. “Nas relações
intersubjetivas a única coisa que se arrisca é um pouco de segurança e um
pouco de dinheiro, o resto é ganho, todo humano.”
MOM:
Mas ele, o que não sabia nesse momento é que o dinheiro nas relações
intersubjetivas é a única coisa que se arrisca... disse: não tenha medo, que
a única coisa que se arrisca é um pouco de dinheiro. O que mais disse?
CS:
Um pouco de segurança e um pouco de dinheiro.
MOM:
Quando eu disse isto não existiam os problemas que existem hoje, onde o
dinheiro e a segurança são dois problemas de todos os estados modernos.
Entende um pouco o que lhe digo? Como não vais entender, se é tão simples.
A
frase não está mal, não renego a frase, ao dizer, digo simplesmente que a
essa frase faltava saber que não se arriscava pouco, porque ele nesse momento
diz “olhe, relacione-se com o mundo, que arrisca pouco, um pouquinho de
segurança”. Mas aí, a segurança se referia à segurança da mãe, ao contrário,
agora a segurança tem a ver com os bombardeios, com as armas de destruição
massiva, com a única possibilidade do estado norte-americano seguir sendo
poderoso. A segurança, a invenção dos Estados Unidos acerca da segurança, além
de ser necessária ou não, é o único caminho fácil, direto, no qual os
Estados Unidos podem manter seu poder econômico. Vê que é verdade? Só se
arrisca um pouco de segurança, entendendo por segurança os braços da mãe, não
entendendo a geração de armas atômicas para que alguns cidadãos morram e
outros cidadãos vivam tranqüilos, não, disso não, eu falava da tranqüilidade
nos braços da mãe.
Casualmente
aqui estou pintando um menino nos braços de sua mãe, enternecedor. Se não o
tivessem feito 2 milhões de pintores antes que eu, seria eu um criador, mas
isto que estou fazendo o fizeram 2,5 milhões de pintores. Poderás dizer
“sim, mas não tão belo”, o que terá que ver a beleza. Ao homem a única
coisa que interessa é a surpresa, não a beleza, porque a beleza por aí traga
o homem, mas a surpresa sempre diz que não. “Essa não é minha mamãe” diz
o homem e fim.
Eu,
como tenho medo do amor, prefiro surpreender o pessoal.
CS:
Estou pensando no que me disse no princípio da entrevista quando lhe respondi
que lia muito bem a realidade.
MOM:
Me adulou, eu me dei conta, mas és jovem e se eu lhe marco todos os erros que
comete não a deixo caminhar.
CS:
Então agora lhe desadulo. Quem sabe é que são lentos os de El País, que o
que disseste já está acontecendo. O digo porque encontrei uma frase neste
livro Psicoanálise do líder que me mandou ler a entrevista passada,
como manual de filosofia psicoanalítica, que diz: “Escrever, se escreve
sempre do que acontece, o escritor que trata de escrever sobre o passado ou
anunciar o porvir nunca é um grande escritor. Se escreve sobre o passado será
um bom psicoanalista, se anuncia o porvir será um visionário, nunca um grande
escritor. Espero que nas linhas anteriores haja ficado entrevisto meu desejo de
ser um grande escritor”. Isto é de 77 também.
MOM:
Bom, resulta que passaram um monte de anos e parece que agora já sou um grande
escritor.
CS:
E segue escrevendo do que acontece?
MOM:
Bom, hoje mais do que nunca, não como um intelectual de esquerda, como um
escritor. Enganando ao tirano, não dando dados ao tirano para que ele vá e
mate, como fazem os intelectuais de esquerda, que denunciam qualquer movimento,
qualquer situação para que o Estado esteja alerta, por isso que um verdadeiro
criador, um verdadeiro criador diz algo e faz algo que o Estado, que a
Universidade, a polícia de direita, de esquerda, de cima ou de baixo não
possam reprimir porque não se dão conta do que é. Por quê? Porque uma
mensagem bem dirigida só é entendida por aquele ao qual está dirigida.
CS:
Então Saramago perde tempo quando recomenda aos políticos (por certo este também
copiou do Índio Gris) que leiam Blas de Otero. Não vai bem dirigido, como os
políticos vão entender o que é isto da poesia?
MOM:
Além disto, os políticos o leram e entenderam isso que entenderam, isso é o
grave, não que não o tenham lido, senão que entenderam isso que entenderam.
Volto a insistir, que uma boa mensagem, e o poema sempre é uma boa mensagem, só
ilumina aquele ao qual estava dirigida, não ao seu opressor.
No
sentido de que podemos tornar bela a realidade tanto quanto quisermos, mas não
podemos negar a injustiça, não podemos negar. Por exemplo, um filósofo agora
está de acordo com o Estado para que no país basco se fale inglês, mas se o
filósofo este casualmente seja é catalão, depois quando queiram fazer a Catalúnia
falar inglês, o filósofo vai estar contra o Estado, logo ninguém pensa em
ninguém, cada um toca seu umbigo e se o tem são, diz que há saúde e se o tem
enfermo diz que há enfermidade, mas ninguém pensa nem na enfermidade do mundo,
nem na enfermidade dos problemas. Estamos um pouco atrapalhados numa espécie de
amor à estupidez. Não viramm que agora há um conselheiro de Rajoy que querem
tornar político, acontece que agora o aconselhou que burle todo o mundo e se
isso acontece em um país civilizado, apesar de que não há no mundo um país
civilizado, o povo não vai votar nessa pessoa que burla; se engana de seus
camaradas deputados, como não vai zombar do povo? E falando de tudo um pouco,
vi pela televisão que o senhorzinho Aznar, que não posso chamar de outra
maneira, diante de todo o mundo com o microfone aberto disse que o discurso que
deu era uma chatice. E não se pode viver com pessoas assim. Eu não sinto isso
nem quando dou aula a alunos de 15 anos e ele sentiu isso quando estava falando
aos chefes do mundo, assim que olhem bem o que devem ser os chefes do mundo, se
Aznar segue Presidente da Comissão Européia, olhem o que é o mundo. Se o
mundo é capaz de perdoar isso é porque estão fazendo negócios sujos, maus
negócios, negócios insolentes, estão logrando a maioria das pessoas nobres
nas quais vamos e votamos por esses incapazes e seguem aí e ninguém diz nada.
Se fumas um baseado na avenida e a levam presa, o menino toma uma cerveja e o
curram. Há desigualdade, há injustiça e não me venha mais encher meu saco
com estas coisas, que não me agrada falar destas coisas. Sabes por quê? Porque
não entendo destas coisas.
CS:
Não.
MOM:
Entendo pouco. Agora vou te dar um corte que não se pode nem imaginar, nem ela
nem eu nem ninguém, ninguém, ninguém.
CS:
Aclaro os leitores que “esta” é o quadro, não eu.
MOM:
Estiveste muito bem, porque são capazes de crer qualquer coisa.
CS:
Claro, isto do mundo é inquietante porque agora a volta famosa pelos países árabes
para alcançar apoios para invadir o Irã...
Público:
Iraque.
CS:
Bom, Iraque.
MOM:
Mas viu como são os poetas? E és tonta e jovem, apesar disto, invadirão também,
também invadirão o Irã.
CS:
Parece que foi um fracasso, todos disseram que não, até a Turquia, que é
aliada de toda a vida, lhes disse que sejam mais astutos e que arrumem primeiro
a questão de Israel e Palestina.
MOM:
Bom, mas é um negócio.
CS:
Claro que é um negócio, não desista de seus propósitos, EUA o atrasará.
MOM:
Sabes o que acontece? É que eles crêem que está em jogo a sobrevivência da
espécie. São loucos, gente louca, eles crêem que o que está acontecendo com
eles é o que tem que acontecer ao mundo do futuro, estão todos loucos. Aznar
crê que está dando ao povo espanhol uma boa educação, mas é mentira. Ele,
quando se reúne com o Conselho de Ministros secretamente, com essa Panelinha
Sagrada, que teria que ser mandado de porteiro à televisão e resulta que foi
dono da televisão, agora é dono dos meios de difusão, quando teria que
trabalhar de porteiro, porteiro de prostíbulo, chama as pessoas para votar,
para foder; porteiro de prostíbulo. Antigamente sempre havia um porteiro que
atraía os homens dizendo-lhes “Aqui há umas senhoritas” “Espanha vai
bem, passe e veja como a Espanha vai bem” Entende o que lhe digo?
CS:
Sim.
MOM:
O que mais? Vamos ver, pergunte, que eu me dou conta a que prisão quer me
mandar, se para Alcatraz...
CS:
Outra frase deste livro: “Ser os melhores, portanto, não serve para nada,
sejamos outra coisa”.
MOM:
Porque ser os melhores é o correspondente a ser o pior. O que ganho quando me
meto numa dialética onde está o pior? Porque hoje jogo da melhor maneira e soumelhor, mas é uma dialética onde também está o pior,
portanto, amanhã me cabe ser o pior. Má dialética. Nada de sermos os
melhores, ser muitos, não ser os melhores. Me disseste: Menassa, o que queres?
Pintar o melhor quadro do mundo ou que em sua escola haja 30 pintores que
invadam o mercado com pintura bem feita, barata, realizada em um entretenimento
maravilhoso, um encontro entre amigos, um poema que surge, uma menina que abre
suas pernas para sempre... Isso é a arte quando alguém se entrega. Quando alguém
se entrega, a arte fica permanentemente aberta, pode entrar por qualquer resquício.
O que quer fazer, pintura? Agora que Miguelito canta, a qualquer momento me
ponho a cantar e o rebento. Eu canto muito mal, mas é toda uma aprendizagem,
tudo se aprende. Se ele foi capaz de escrever poesia, por que eu não vou ser
capaz de cantar? Ou eu estou mais longe de cantar do que ele de escrever poesia?
CS:
Claro, porque tudo é uma decisão. Vamos ver o que lhe parece esta: em 1977
Menassa já sabia que íamos fazer “Pintando em casa”. Primeiro disse:
“Vivia rodeado de animais, pequenos e grandes de todas as cores, qualquer um
teria dito esquizofrenia. Eu me disse “pintor” um desbravador da natureza,
um sonho em carne viva."
E
logo disse: “A pintura, essa paisagem necessária para um grande filme que
viva entre nós". ”Pintando em casa”. Uma decisão, alguém pode
eleger uma palavra ou outra, esquizofrenia ou pintor, com uma te salvas...
Amelia
Díez: Psiquiatria ou psicoanálise.
CS:
Vivia rodeado de animais, pequenos e grandes de todas as cores.
MOM:
Um pouco os alucinava, mas vês como são as pessoas? Imagine em 77 como eram as
pessoas.
CS:
Muito mais coloridas.
MOM:
Eu me lembro de ter escrito (e não estava equivocado) no primeiro livro que
publiquei na Espanha que se chamava Salto Mortal, lembro perfeitamente
que num dos dias o escritor escreve desesperado: “Há três meses que não
entro em contato com o pensamento simbólico”.
CS:
O pensamento?
MOM:
Simbólico, onde ninguém diz nada a ninguém é o pensamento simbólico, as
palavras falam entre si e, se estás atento, entende o que dizem, mas não falam
para ninguém em particular. Mas aqui foi muito difícil, nessa época todo o
mundo pensava que falavam entre eles.
CS:
“Como as coisas acontecem a seu tempo, por enquanto me dedico a pintar quanta
cor, animal ou forma lembre minha mão direita daqueles dias inesquecíveis de
minha adorável e fugaz, breve loucura.”
MOM:
Bom, isso também é um conceito teórico. A loucura dura um instante, se a
fazes durar mais é uma ilusão. Mas tendo em conta que as pessoas estão
acostumadas (os estados acostumam) a viver de ilusões, vivem da ilusão da
loucura. A loucura é um instante, bom, eu lhe diria que a saúde também é um
instante.
CS:
Mas nesta frase também está a idéia do Grupo Cero de como se aprende ou de
como se sabe.
MOM:
Não entendi.
CS:
Me chamou muito a atenção: quanta cor, animal ou forma lembre minha mão
direita. O saber do pintor não passa pela consciência, poderíamos dizer
assim? Ou está em outro lugar.
MOM:
O saber de ninguém passa pela consciência, o que passa pela consciência é o
conhecimento.
AD:
O saber está fora de alguém.
CS:
Graças a Deus.
AD:
Graças à psicoanálise.
MOM:
As recomendações que Amelia Díez está lhe fazendo, são porque ela assegura
que estas coisas não poderiam ser ditas assim se não existisse a teoria
psicoanalítica. É uma coisa que poderíamos conversar.
Sim,
por favor, o que foi?
CS:
O tempo.
MOM:
Já terminou?
CS:
Não.
MOM:
Ah! Um chiste me fez.
CS:
Há uma frase muito curiosa: “Todo o mundo ocidental e nós nele, está
submergido ainda no dilúvio universal cristão, já que dois exemplares de cada
animal são suficientes para tudo. Rompamos com o mistério cristão, sejamos um
grupo. Muito interessante essa visão do dilúvio universal cristão.
MOM:
Bom, não está mal a idéia. Se volto a ver um dilúvio universal e eu sou o
dono, deixaria três ou quatro porque sei que há coisas que fracassam, mas
faria o mesmo, calcule que está diante do dilúvio. O que acontece é que as
pessoas fazem isso depois quando vão de férias. No dilúvio, Deus tinha razão,
pobre homem, viria o dilúvio, morreriam todos e disse, não, vamos dizer a Noé
que salve dois pescados, dois cavalos, um homem e uma mulher e assim se reproduz
o mundo. Mas calcule que sais de férias e crê que tem que se salvar tal como a
sua imagem no espelho, a ti e a sua mamãe, que são dois.
Lê
um livro meu e em lugar de ler um livro meu está aí, nos braços de sua mãe
recitando a Bíblia, Deus não gosta disto tampouco, não creia que gosta disso.
Deus disse “Olha este panaca, podendo viver um montão de experiências vitais
e além disto me deixar exercer o papel de educador, não, se educa só, se
reprime só. Não o posso nem castigar, nem mandar ao inferno, tenho o purgatório
vazio...”
Público:
Tudo tem estado de dilúvio.
MOM:
Não vá, assim nem deus está contente, é uma catástrofe. Assim como Bush diz
“Esses que pensam diferente de nós, matai 30.000”, Deus faz mais ou menos o
mesmo. As pessoas estão se fodendo, abandonam aos meninos na rua, matam as
pessoas que sobram... Diz “bom fazer uma inundação aí e matar a 10.000 de
repente”.
CS:
É que usurpamos as funções de Deus.
MOM:
Sim, claro então o cara está lhes dando uma educação. Vocês crêem que
existe Bin Laden, Bin Laden não existe, o que existe é Deus. Foi Deus quem
castigou esse povo porque esse povo há mais de dez décadas está matando crianças
por todos os lados, e não é necessário estar acima de uma casa, os matam no
campo, no mar, na montanha. Como crêem que um homem é capaz de castigar isso?
Se todos os homens do mundo estão inscritos no serviço de inteligência do
Estado norte-americano e quando se levantam pela manhã decidem a que horas
tenho que ir cagar, a que horas tenho que ir comer, com quem tenho que deitar.
Esse foi Deus, o único que podia por uma bomba nos Estados Unidos era Deus. Não
me venham a contar histórias.
CS:
Me lembrei de um chiste. Sobre isso de que usurpamos o trabalho de Deus. Vão
canonizar a Escribá de Balaguer, fundador do Opus Dei e dizia, “olhe se vão
santificar a Álvarez del Manzano por uma só obra, diretamente o tem que fazer
Deus”.
MOM:
Eu creio que o povo espanhol vota dessa maneira, porque Álvarez del Manzano é
o Prefeito de Madrid, que além disto é a um monte de tempo. Vamos ver, por que
o povo espanhol vota nestes candidatos? Porque pode burlá-los, não importa um
caralho se são bons ou se são maus.
CS:
Para rir deles?
MOM:
Eles são capazes, se viesse Hitler votariam nele para rir de seus bigodinhos.
CS:
Por fim encontrei uma razão.
MOM:
Ui, os bigodinhos e os bigodinhos, não quis fazer nenhuma semelhança dos
bigodinhos e os bigodinhos. Houve mais gente que teve bigodinhos. Clarke Gable,
esse usava bigodinho.
CS:
Errol Flynn.
MOM:
Que lindos os bigodinhos de Erol Flin.
Público:
Charles Chaplin
MOM:
Carlitos Chaplin também tinha uns bigodinhos muito lindos. Não sei se gosto,
mas já está.
CS:
O quadro, não?
MOM:
Há uma coisa aqui...
Público:
Que linda, uma menina com véu.
MOM:
Aqui está o profeta Isaías, aqui está uma puta, em todas as religiões há
putas. Para falar mal da mulher. Não é que fale mal da mulher, fala mal das
putas.
CS:
E, por que falam mal das putas?
MOM:
Por que falam mal?
AD:
Para falar mal da mãe.
MOM:
A existência da prostituição é possível porque os homens, em geral, salvo
raras exceções, não elegem bem nunca com quem viver, nunca. Há, não quero
dizer que há 8.000 filmes, mas 80-90-200 há sobre esse tema. Sem prostituição
haveria mais suicídios, bastante mais assassinatos de matrimônio e isso. Vocês
têm que aprender a pensar que tudo aquilo que o estado, podendo destruir, não
destrói é porque convém ao Estado: contrabandistas de drogas, prostituição,
proxenetas, como se diz, pornografia infantil? Porque o estado poderia acabar
com estas coisas, mas não termina, empregam muita gente. Estão violando leis
fundamentais, ainda que me respondam “sim, mas a única lei fundamental é
comer, ao fim e ao cabo, o homem não tem nenhuma outra lei fundamental”. A
medida em que, agora, nos enteiremos com os próximos passos que estamos dando,
de que a Espanha não vai tão bem, verão que aí eles perdem alguns votos.
Porque a Espanha vai bem, a Espanha vai bem, é o cidadão que come, segue
comendo e há dois mais que comem que antes não comiam e isso é que vai bem.
Se já há quatro que não comem e para quem as coisas iam bem agora vão mais
ou menos, terminou. Ou como no caso de Felipe González que perdeu o poder por
um ataque de moral do povo espanhol, que lhes está custando muitas coisas
graves agora. Porque aí é que a Espanha ia bem, haviam feito todas as
reestruturações que tinham que fazer. Tampouco Felipe González era muito de
esquerda, não sei o que as pessoas querem. Ou porque te deixam sem comida ou
porque não estão bem com a moral, mas claro, são duas coisas muito graves. Não
podemos pensar que a máfia japonesa seja melhor do que o estado japonês ou que
o governo japonês, porque no último terremoto que houve as mantas, a primeira
comida e as primeiras ajudas chegaram da mão da máfia japonesa. Para essa
gente, nesse momento, está correto, mas só para essa gente, só nesse momento.
AD:
E o socialismo demonstrou que ser pobre não é o mesmo que ser bom.
MOM:
Além disto, isso não puderam suportar. Foi um castigo que não sei quanto
tempo, porque o castigo é contra nós, quanto tempo vamos a ter que agüentar o
castigo que fizemos.
Termino,
porque já vou estragar este quadro.
CS:
Sí. “Deixemos poder aos que podem, o resto que faça crucigramas.”
MOM:
Isso também era uma broma aos lacanianos, porque Lacan disse (o disse porque
alguém diz muitas coisas, é uma brincadeira), que como eles não podiam com a
realidade, passaram vinte anos e todavia não podem, porque pensam mal, os
lacanianos pensan mal. Não querem reconhecer que Lacan disse várias vezes que
ele não era lacaniano, que ele era freudiano.
AD:
Os lacanianos sabem que só os escutam quando falam mal do Grupo Cero e passam
falando mal do Grupo Cero.
MOM:
Sabem o que é falar mal do Grupo Cero, o que dizem?
CS:
O que?
MOM:
“Gente que passa escrevendo, pintando, fazendo amor, que passa trabalhando,
que ganha muito dinheiro por mês. Essas são as críticas que nos fazem. Que
depois de que ganham o dinheiro o gastam em qualquer coisa, em publicações, em
arte, em poesia, em subvencionar revistas mensais de 125.000 exemplares...
“Que todo o mundo lê o Grupo Cero e a nós ninguém lê”, essas são as críticas
que nos fazem. Porque, claro, a outra crítica que nos faziam da sexualidade
transbordante já há muito não podem fazer, porque não sei a quem vou
transbordar, com a idade que tenho.
No
outro dia me encontrei com uma amante de juventude que me disse, “Não
renegues tanto nosso amor porque, graças a nosso amor ter sido tão apaixonado,
agora podes pintar tantos quadros, escrever tantos poemas. Por pintar e escrever
não faz falta que fales mal do amor” me disse. Por aí a moça tem razão.
Cumprimente
o dono de El País, porque eu sei que vais informá-lo, não fiquei convencido
de que você não trabalhasse para ele.
Sou
satã aberto aos brancos perfumes da tarde.
Um diabo que canta todo o dia, canções de amor.
Um diabo mar, sortilégio de uma noite primaveril,
uma esplêndida noite de fogo para os mortos.
Não
vêem que hoje canto desesperadamente,
assim, hoje canto, como se fosse viver eternamente.
Canto pequeno, ardente, apaixonado e louco,
empedernido e sereno canto das despedidas.
Sou
o fulgurante secreto do nada,
inquietante, distante, deturpada melodia.
Nos
desiguais festejos apaixonados de teu corpo em meu corpo, vou encontrando
nas argúcias da razão toda tua beleza. Vou abrindo nos espelhismos de
tuas vozes, meus amores mais ocultos.
Deslumbrado
pelas argúcias da noche, teço sobre teus olhos este delírio, aberto à
mansidão das palavras mais cotidianas.
Assim
se deve ir pela vida, cantando e bailando!
Despejemos,
querida, os labirintos do ódio e aparecerá diante de nós uma montanha
imensa de calor, de ouro.
Ele
chegou cansado, se deitou e pode apenas balbucear:
-
Ela, se a deixo, transformará minha vida em um campo sego para sempre.
Nunca me senti tão inútil e tão sexual ao mesmo tempo. Quase uma grande
loucura e ela crê que o que faz é normal. A grande loucura é a dela e
isso não deve ter arrumação, assim que é melhor que eu vá aprendendo
a viver só, a dizer que não.
-
O que acontece? -lhe disse- hoje não tem vontade de associar livremente?
-
Não -me disse ele com simplicidade-, me parece brutal ter que dizer-lhe
que ela é quem está equivocada. Quem está para o hospício sou eu e não
para ganhar dinheiro, que é o que ela necessita...
Tenho
que poder ordenar o cérebro feminino que me rodeia, que me parece só
estar preparado para fazer amor consigo mesma. Preparar o cérebro
feminino para a guerra, para o comércio, para a prostituição, que não
é na verdade ela quem a exerça com mais paixão dentro das sociedades
atuais; o homem, qualquer homem, um obreiro, por exemplo, prostitui mais
sua vida do que a mais estúpida das prostitutas de um bairro humilde de
Londres ou de Madrid.