ENTREVISTA
AO POETA MIGUEL OSCAR MENASSA Domingo, 17 de março de 2002
Carmen
Salamanca: Esta seção já começa a ter
colaboradores. Há uma doutora que me passou umas perguntinhas porque lhe
interessaria saber como respondes. Fizeste medicina, não? Aí, quando estava
servindo como marinheirinho estava fazendo medicina, não?
Miguel
Oscar Menassa: Hoje vieste disposta a me insultar.
CS:
Pelo de marinheirinho?
MOM:
Não. Me disse: "fizeste medicina" quando devo de ser um dos médicos
mais importantes do século XX. E depois disse outra barbaridade mais.
CS:
Perdão. O que opina das investigações que estamos realizando que relacionam a
depressão com o câncer?
MOM:
É muito difícil o que me preguntas porque olhando a televisão esta semana me
dei conta de que estávamos governados por débeis mentais, tratando de não
insultar aos débeis mentais. Entende o que lhe digo?
CS:
Sim.
MOM:
Que é muito comprometedora minha posição de hoje. Depois, se os do Governo são
débeis mentais, na oposição também devem ser débeis mentais, porque deixar
fazer as coisas que lhes fazem...
Estou
falando da depressão, não vá crer que estou falando do Governo.
CS:
Sim, está falando de Zapatero, que tem uma depressão...
MOM:
E de Aznar, estou falando dos que nos governam. Mas não queria falar disso. O
doutor Rojas Marcos é capaz, numa conferência da imprensa, de afirmar que o
alcoolismo não é tal ou a drogodependência não é tal drogodependência se não
se tem em conta que há uma depressão prévia. Me assustou porque a depressão
sabes que pode vir pela morte de um ser querido, pela perda de um objeto
querido, ou diretamente, pode vir pela perda de ideais. Entendo por que o câncer
aumenta; por que aumentam os acidentes automobilísticos apesar de que gastam
tanto dinheiro; por que as pessoas passam rapidamente de uma erva caseira a uma
droga que o mata. Todas essas perguntas ficam respondidas porque o povo
espanhol, cada dois dias, perde um ideal. Eu cheguei ao cúmulo da depressão
quando me dei conta de que estou sendo governado por débeis mentais e, como eu
me ocupo da saúde mental, eu sei o que pode fazer um débil mental com a família,
assim que imagine o que pode fazer um débil mental com o Estado. Essa é minha
preocupação de hoje. O que me perguntavas?
CS:
Sobre as relações da depressão com o câncer.
MOM:
Bom, acabo de lhe dizer que é evidente, que como bem disseste, eu era médico
no século passado. Não me animo a dizer que a psicoanálise cura o câncer
porque depois vão dizer que sou um esotérico, mas está claro que os pacientes
que tiveram a casualidade, que tiveram a sorte, no mesmo momento em que padeciam
de um câncer, de começar um tratamento psicoanalítico ou de estar em
tratamento psicoanalítico, tiveram uma evolução mais favorável de sua
enfermidade. Eu não vou dizer que a psicoanálise evita as enfermidades, eu
quero dizer que a psicoanálise olha diferente o mundo, portanto as
enfermidades. Se entende isso?
CS:
Sim.
Público:
Que para a psicoanálise as enfermidades são distintas do que para a medicina,
por exemplo.
MOM:
Distintas e mais que isso. Há enfermidades para a medicina que, desde o ponto
de vista da psicoanálise, são pequenos transtornos funcionais que se superam
em 4 entrevistas psicoanalíticas. Não somente crê que as enfermidades são
mais leves, porque a psicoanálise não é boba, sabe que há enfermidades que são
graves, e que o homem morre de uma enfermidade. Qual é a enfermidade do homem?
Poderias perguntar.
CS:
Qual é a enfermidade do homem?
MOM:
Bom, ser mortal, se deve à língua e não crer que a língua deve a ele e isto
tem seu duplo sentido erótico, como te dás conta.
CS:
Claro.
MOM:
Uma coisa é depender da língua e outra coisa é fazer a língua depender de
mim. A língua é capaz de se meter pelos cantos mais abjetos da intimidade do
outro. No entanto, nossa moral, nossos preconceitos, a televisão, os conselhos
que dá o jornal El País, fazem com que nós tenhamos a língua reprimida, no
sentido de que nós fazemos os movimentos da língua dependerem de nossa
personalidade, em lugar de fazer nossa personalidade depender dos movimentos da
língua.
CS:
Quer dizer que alguém é o que diz e o que cala.
MOM:
Bom, alguém é o que diz se tem a sorte de que alguém o escute. Depois é o
que diz o governador, o chefe de polícia, o chefe do governo, o que diz o
presidente do presidente do governo que, como sabes, são as grandes companhias
internacionais. Não há nenhum presidente que governe nenhum país, o sabes, não?
CS:
Sim.
MOM:
Há presidentes que caem bem aos grandes capitais. Como acontece comigo, eu sou
diretor desta instituição. Por quê? Porque caio bem aos grandes capitais, no
dia em que caia mal aos grandes capitais que sustentam esta instituição,
seguramente tomarão outro diretor.
CS:
Isso é política, não?
MOM:
Isso é quase política, porque a política, em geral, é a arte do possível. A
psicoanálise também é a arte do impossível, se me permites. Como se diz
tantas bobagens por aí, podemos dizer que a psicoanálise tem sua própria política.
Seria correto dizer que a psicoanálise já produziu, de alguma maneira, uma
filosofía psicoanalítica, ainda que todavia não esteja escrita em nenhum
texto. Para você que gosta de ler, Psicoanálise do líder, um livro que
eu publiquei mais ou menos quando subiu Felipe González ao poder, esse poderia
ser um manual de filosofia psicoanalítica, para os graus inferiores, não?
CS:
Para os graus inferiores?
MOM:
Sim, o primeiro ano de Liceu... Na realidade primeiro pensei desde os seis anos,
mas como me fizeste a pergunta não quis ficar mal contigo e disse, “bom desde
os 13, 14, 15 anos”. Porque na realidade, Sartre se equivocou em um montão de
coisas, mas uma pessoa que se equivocou em um montão de coisas e trabalhou
50-60 anos escrevendo e pensando, terá acertado algo.
CS:
Sim.
MOM:
Sim, o quê? pomba mensageira.
CS:
Que terá acertado algo para que o sigamos nomeando hoje.
MOM:
Mas sabe a quê me referia?
CS:
Sim, a que as crianças têm essa capacidade de aprender.
MOM:
Há uma idade da razão ou não há uma idade da razão? Estamos todos de
acordo, Sartre também, que há uma idade da razão.
CS:
Aos 7 anos.
MOM:
E que essa idade é mais ou menos aos 7-8-6 anos, depois de tudo o que estamos
vendo com a psicoanálise seria aos 2 anos quando a criança processa a fase do
espelho. Já está o símbolo, por isso que aparecem esses filmes onde uma criança
de 4 anos diz à mãe como tem que tratá-la. Estão cheios os consultórios
psicoanalíticos de casos onde um criança de 4-5 anosdiz à mãe como tem que se comportar com ela para que ela possa chegar
à escola em vez de ir ao hospital.
CS:
Em O ofício de morrer tem contos mais ou menos com essa temática.
MOM:
Sim. O ofício de morrer é uma novela, é um poemário, é um diário,
por outro lado, me parece que Psicoanálise do líder é um texto de
filosofia psicoanalítica. Na realidade é o texto com o qual Menassa se separa,
no sentido de compreender, no sentido de que algo entende do que havia sido o
Grupo Cero Buenos Aires. Toma distância de algumas coisas que não havia
gostado, evidentemente e reinicia uma etapa: é o livro que abre a etapa atual
do Grupo Cero. Sim, porque Menassa mesmo se dá uns quantos conselhos, diz:
“Nunca mais ninguém tem que sobressair porque ao que sobressai lhe cortam a
cabeça”. Depois distingue entre um homem famoso e um homem trabalhador e
elege um homem trabalhador porque diz que o homem famoso está todo o dia na rua
montado em um cavalinho de papelão correndo de um lado para outro. E que um
escritor é uma pessoa que, ao contrário, está quieta olhando como o mundo
gira para mostrar à posteridade como girou o mundo em que viveu. Já sei que o
mundo sempre gira, mas às vezes gira para cá e às vezes gira para lá.
Que
lindo que é o quadro! Em três minutos o fiz. Somos uns gênios. É belíssimo
o quadro. Que lindo que é! Se ferrou! Não o vêem? Está rindo porque não o vê.
CS:
Está muito presa às cores.
MOM:
Pergunte-me, por favor, como era?
CS:
Estávamos falando de uma filosofia da psicoanálise e do livro Psicoanálise
do líder.
MOM:
Eu creio que foi o livro que inicia a etapa atual do Grupo Cero. Me ocorre com a
palavra instituição o que para Freud aconteceu com a palavra tempo, porque eu
nesse livro tive que chegar a dizer, como não tinha outro conceito de instituição,
tive que dizer “basta de instituições”. É muito interessante esse livro.
E depois, poucos anos depois, terminei gerando ou participando na criação de
uma instituição que, como sabem, é bastante poderosa, que é a Escola de
Psicoanálise Grupo Cero, que engloba um montão de atividades: Escola de
Psicoanálise, Escola de Poesia, Editorial Grupo Cero, Oficinas de Arte, Exposições,
Intervenções Cinematográficas, Oficinas de Escritura, Publicação de duas
Revistas de 125.000 exemplares cada uma...
Então
poderíamos dizer que Psicoanálise do líder é o livro que permite ao
Grupo Cero chegar aonde está agora. E por coisas que estão acontecendo em
minha vida privada, creio que eu estou processando um livro que escrevemos em
1999, que se chama Poeta condenado, Manifesto de 99 ou do psicoanalista
condenado, que abriria uma nova etapa, porque recém eu estou assumindo o
que diz esse livro que já asumi. Assim que, imagino que se vocês se dão o
trabalho de lê-lo esta noite, talvez se darão conta também que aquele que
escreve lhes faz assumir algo que vocês todavia não assumiram.
CS:
Tanta diversidade de atividades, tanta criação me recorda esse asunto que
Menassa diz, que a genitalidade não pode se sublimar, que é uma energia
diferente.
MOM:
Eu entendi a brincadeira, o chiste que estás fazendo para os leitores é que se
a energia genital, ou seja, foder, pudesse ser sublimada... Antes disso disse
que eu pinto, que eu escrevo, que eu isto, que eu aquilo. Eu entendi o chiste,
me perguntas quando é que eu... Olhe como lhe deu tosse.
CS:
O vejo vir... Quando fodes, estou perguntando?
MOM:
Claro, então me faz um chiste.
CS:
Não espero que me responda, é simplesmente um chiste. Mas no nível teórico
me explique essa questão da sublimação, a criação e o foder.
MOM:
Aqui o único que posso sublimar é, para dizê-lo e que o entendam, para que os
psicoanalistas entendam.
Amelia
Díez: Lhe escuto.
MOM:
Só se pode sublimar se realmente se ama uma pessoa. Vou dizê-lo para que se
entenda, só se pode sublimar a energia do sujeito com um outro pequeno.
AD:
A energia do amar-se a si mesmo.
MOM:
Interpretando o assunto, sim, claro, porque se o outro é só minha imagem no
espelho ou eu só posso amar a meu pai, a minha mãe, ao que sou, ao que fui ou
ao que serei...
AD:
Com a energia de minha paixão por mim.
MOM:
Claro, mas posta em outro, instantaneamente posta em outro. Por que senão,
chegamos a pensar em um narcisismo primário e o que se sublima é uma energia
narcisista, como disse Amelia, todo esse amor que tenho por mim, mas já esteve
posto em outro, já foi libido objetal.
AD:
Eu posso ser outro de mim.
MOM:
Podes ser outro de ti. Terás que escrever um pouquinho mais. Transformar-se
Amelia Díez e Amelia Kostaflichi.
AD:
Não.
MOM:
Não quer, já me disse que não. Por favor quero te escutar.
AD:
É que sempre meu “mim mesmo” é outro para mim. Mas o que querias dizer,
com o amor que sinto por outro, no sentido de que o outro sempre me lembra que
sou mortal.
MOM:
Por exemplo. O dizes de um modo que ao dizê-lo eu digo: não, é que já houve
castração porque senão, como há sublimação?
AD:
Se sublima com a pulsão, com a linguagem, tenho que ter outro semelhante, tenho
que ter outro simbólico, tenho que ter todo o aparato, tenho que ser um ser
social.
MOM:
Senão faço outra coisa, sublimação é isso: suspendo a vida que já aprendi
a viver e que além disso vivo bem. Porque, às vezes, nós nos deixamos levar
pelas aparências, esse poeta que sofria em Paris, por exemplo, Vallejo, mas
Vallejo pensava intimamente que estava transformando a língua castelhana. Na
realidade viveu uma vida paradisíaca, não comeu nunca, o pegaram em Paris, o
pegaram em Portugal, romperam seu cu na Espanha, mas ele era essa energia, essa
força.
Às
vezes me vês pintando e eu não pinto muito bem, eu pinto, mas posso pintar
porque penso fechar todos os museus da Espanha, senão, não poderia pintar. E
por quê os iria fechar? Porque não são pintores, porque para mim são
desenhistas, são senhoritas, são empregados do comércio e há alguns
pintores, mas não necessitamos de tantos museus, o resto se pode ensinar às
crianças em fotografia e já está.
Então
se fecham todos os museus, aí se põem prostíbulos, se junta dinheiro, em
lugar de ter putas por todos os bairros inchando os narizes. Fecho esses locais,
abro um prostíbulo controlado pelo Estado, o Estado forma uma comissão e com
isso paga educação secundária por que as crianças necessitam de mais
professores, mais aulas, soluciono o problema a vários coletivos.
AD:
Nunca é da ordem da necessidade, da necessidade natural ou primária senão da
necessidade do desejo.
MOM:
Sim, porque quando não se dá de comer às crianças que morrem de fome em
qualquer país do mundo, não é que lhe falte a comida, é que se lhes dou
comida depois tenho que dar educação.
AD:
Tenho que permitir que sublimem.
MOM:
Tenho que permitir sublimar, por aí sai um artista.
CS:
Voltemos ao assunto da semana passada, lhes dou drogas e isso me sai mais
barato.
MOM:
É mais barato, educar uma criança é muito caro.
CS:
Com um pouco de sorte se morre, se inutilizam.
MOM:
E se resolve o problema da Previdência Social.
CS:
Agora compreendo as primeras frases da entrevista. Rebobinemos, havia dito que só
se pode sublimar...
MOM:
O amor, para dizê-lo simplesmente.
CS:
O amor com respeito ao outro pequeno ou diante de outro, mas o que é que não
se pode sublimar então?
MOM:
Quem não fode porque acredita que canta melhor quando não fode tem que ir ao
psicoanalista.
AD:
Foder é sublimar.
CS:
Foder é sublimar para um humano?
MOM:
Claro, é uma das formas. Nem todos o conseguem, é muito teórica Amelia, no
sentido de que alguém pode estar enfermo precisamente disso, que tenho roto o
aparelho de sublimar porque todavia não há castração, então nem sequer
fodendo como um cavalo louco consigo sublimar algo.
Público:
Mas em um sujeito assim, o narcisismo estaria influindo muito, não?
MOM:
É que eu creio que um sujeito assim não é um sujeito nem assim nem assado.
Vocês acreditam que o narcisismo é uma enfermidade e o narcisismo é uma
passagem vital do sujeito. Estou dizendo, além disso, que não há narcisismo
primário, (mesmo que pareça que haja no Grupo Cero alguns investigadores,
investigando a existência do narcisismo primário). Só há narcisismo secundário,
ainda que pareça que é anterior à castração porque é uma coisa que vem de
quando somos pequenos e amamos, se instala depois da operação de castração.
AD:
Se houvesse narcisismo primário o ser humano não necessitaria nada mais, com
isso se conformaria, se satisfaria, é como se houvesse instinto gregário.
MOM:
Exatamente.
Público:
Se houvesse narcisismo primário não haveria conflito, não haveria desejo.
MOM:
Esse é o problema. Eu posso, como sujeito, o que faz um sujeito (não sei se o
digo meio tarzanesco, mas é proposital). Posso ter diferentes condutas com
respeito à palavra morte, não posso evitar a morte. Posso foder de uma
maneira, foder de outra maneira, mas não posso atribuir esse foder a mim
exatamente porque foder, que o homem foda, é um problema da espécie e a espécie
é maior do que eu, então por mais inteligente que eu me creia... Mas me
disseste que há gente que tem filhos e segue fodendo. Bom, já me ocorreram
duas ou três barbaridades que não vou dizer.
CS:
Em todas as enfermidades haveria um fator incontrolável para a medicina, quero
dizer um fator psíquico. Em quê medida influi o psiquismo na hora de enfermar?
MOM:
Queres resolver os problemas da medicina ou queres conversar? Porque se queres
conversar, lhe digo que esse problema que a medicina tem com a psicoanálise o têm
todas as disciplinas, todas, há disciplinas que não poderão dar um só passo
mais se não tomarem a sério o assunto de que há um conceito, que é o
conceito de inconsciente, que se produziu há cem anos e que explica
precisamente isso que esta gente busca explicar. No caso da medicina com as
enfermidades, no caso dos educadores, algumas coisas que ocorrem com os rapazes,
no caso do fracasso escolar algumas coisas que ocorrem com os professores, só a
psicoanálise permite compreender, até que não tomem a psicoanálise haverá
coisas sem solução.
CS:
Claro, outra das perguntas que me haviam preparado era com respeito às unidades
de dor dos hospitais, o problema da dor, o que a psicoanálise pode aportar. A
dor é psíquica por excelência. Quero dizer que está tocada pelo psíquico de
uma maneira muito forte, sabemos que existem os placebos, sabemos que tudo é
relativo.
MOM:
Inicialmente queria fazer uma brincadeira. Quando me disseste o que pode fazer a
psicoanálise pela dor, me disse assim? O que a psicoanálise pode fazer é uma
coleta de dinheiro e pagar a quatro ou cinco agricultores para que cultivem
marijuana de primeira qualidade e repartí-la nos hospitais, nas unidades de
dor. E antes de experimentar nos pacientes, experimentar nos médicos para ver
como já não tem tanta dor, e como já não tem tanta dolor em si mesmos, já não
tem tanta necessidade de ver dor ao seu redor.
Uma
pneumonia dói, a pleura dói, eu não sou idiota, abri ventres com meus próprios
olhos e não encontrei nada. Digo que a dor dói, mas evidentemente a medicina
atual, os governos não querem saber de soluções para mitigar a dor. É uma época
na qual está proibido fazer os cidadãos felizes, não sabemos o que fazer com
os cidadãos felizes, e mitigar a dor da população é fazer cidadãos felizes.
O homem só sofre porque lhe dói ou porque vai doer, por nenhuma outra coisa
mais sofre o homem. Porque se a namorada vai embora e não me produz esse
despeito que me produz, como não vou esquecê-la, a esqueço imediatamente, mas
me produz essa ferida narcisística, “me abandonou, a mim que era o melhor
amante”.
CS:
E por quê os laboratórios não se apropriam da marijuana quando já se
apropriaram da morfina, do ópio, de todos estes calmantes?
MOM:
Porque vá tu fazer ópio em tua casa, vá fazer algum sintético, não se pode.
Ao contrário a erva tem tradição. Eu leio os jornais, não tenho nenhuma
informação estranha. A senhora essa de 83 anos, que primeiro de tudo chegou
aos 83 anos, o que é bastante difícil, fuma marijuana para a artrite que tem e
lhe dói menos, não tem artrite, não deve ter muita artrite porque planta as
plantinhas, rega as plantinhas, tira a semente.
CS:
Inventou a artrite para que a deixem fumar.
MOM:
Pode ser. Mas o problema é que há gente que inventa a enfermidade para fazer
algo e esse algo não lhe serve para curar a enfermidade. Depois aqueles meninos
espanhóis, que haviam decidido que a marijuana fazia bem para o cérebro e que
prevenia os tumores cerebrais. Há dois ou três tumores cerebrais, um deles, o
glioblastoma, que os neurólogos (espero que isto seja visto pelos neurólogos
que tenham lido algum livro), o consideram biológico e o operam, mas eles
sempre aludem a que no desencadeamento do tumor houve uma catástrofe psíquica.
Na verdade, eles estavam levando adiante uma investigação que podia ter dado
seus frutos o que me parece uma bobagem, que por um pouco de dinheiro a
encerraram, por isso não quiseram dar um pouco de dinheiro para não dizer que
subvencionavam isso...
Somos
europeus e resulta que em toda Europa o aditivo da marijuana é utilizado, não
para te emborrachar, mas para dar cor, para dar cheiro. Está permitido em pelo
menos 4 ou 6 países europeus. O fato de que na Espanha não esteja permitido não
fala bem de nós, porque fala de que estamos confusos, proibimos o que não
temos que proibir e deixamos em liberdade o que teríamos que proibir.
CS:
Te inteiraste da consumidora de êxtase mais jovem da história? Uma menina de 2
anos à qual sua mãe, por confusão acreditando que era água, lhe deu um trago
de êxtase líquido que estava dentro de uma garrafa de água mineral. A senhora
trabalhava limpando uma discoteca e ao que parece o dono da discoteca tinha em
casa na geladeira doses de outro composto que não é êxtase, chamam êxtase líquido
porque é um nome comercial, mas é pior que as pastilhas de êxtase.
MOM:
É veneno puro. O que quer me dizer?
CS:
Que se proíbem coisas que não causam dano e permitem outras mais nocivas.
Porque é ilegal, mas se tanta gente o tem, está permitido.
MOM:
Claro, não podemos fechar todas as discotecas do mundo, mas podemos aconselhar
as mães de que não é conveniente que dêem de beber às crianças, coisas que
encontram nas discotecas. Porque não vamos andar fechando todas as discotecas
do mundo. As pessoas têm que viver de algo.
CS:
Algo tem que beber.
MOM:
Claro, porque dizem: “terminemos com a dependência da cerveja” e a pergunta
que se deve fazer não é essa, é: onde vai parar toda esta juventude sem um
corretivo? Está bem, lhes proibimos a cerveja e agora, o que vão fazer? Teria
que se tranqüilizar que por enquanto é só cerveja. E de passagem ir tentando
ver como faço para corrigir essa juventude para que não vá cada vez mais
longe, cada vez a mais. Lhes ensino mal, lhes digo que não há trabalho em vez
de lhes dizer que o trabalho vai salvar suas vidas.
CS:
Estou pensando que tivemos uma entrevista muito psicossomática.
MOM:
Tu começaste.
CS:
A frase é essa: “lhes ensino mal”, me ocorreu “a poesia”. Não estaria
mal ensinar aos jovens ler poesia, além de que seja bom para todo o mundo, mas
digo aos jovens.
MOM:
Isso é o que nós fazemos, mas os resultados são relativos.
CS:
Relativos...
MOM:
Se comparas nossos micronúmeros com os macronúmeros de intoxicados,
evidentemente vamos perdendo, mas se pensamos que lendo poesia se termina
escrevendo, que a poesia é lida por um montão de gente que não está
precisamente no momento em que estamos aqui, bom sim.
CS:
Vamos perdendo ou ganhando, para nós em todo caso não morreu nenhum por
overdose de poesia.
MOM:
Não se trata de convencer as pessoas de que temos alguma panacéia porque não
a temos, senão, eu os convenceria, mas não temos nenhuma panacéia. Se damos
vida ao significante, se entregamos a vida à palavra, então podemos fazer uso
da palavra. Eu quero dizer somente isso, se não dou minha vida à palavra,
posso fazer uso daquilo ao qual dou a vida inconscientemente, minha mãe, a família,
o estado, o trabalho e com isto já estou me salvando, se dou a vida, em lugar
da palavra, ao trabalho. Já tenho como que uma espécie de salvação porque aí
há legislação.
CS:
O que está claro é que há que dar a vida a algo porque, senão, não se tem
vida.
MOM:
E, como faz para ter vida sem entregá-la a algo? A um amor, ainda que seja a um
amor, ainda que saiba que são coisas de cavalo, de besta, de vacas, ao amor
pelo menos, quem sabe por amor é capaz de dar um salto. Viu como somos? Todo
homem e mulher, se seu amante lhe diz quero que me consigas tal coisa, por amor,
mesmo que nesse momento seja masculino, vai e conquista algo para entregar a seu
amor.
CS:
“Lá vou senhora, atrás do feixe de luz de teus desejos”.
MOM:
Assim é.
CS:
Não estaria mal levantar pela manhã e dizer isso.
MOM:
Eu jamais diria “faça-se a luz” em um lugar onde não existisse luz elétrica
e que eu não possa ir acendê-la para que se faça a luz. As pessoas às vezes
dizem, Menassa é fanfarrão, porque eu digo “faça-se a luz”, mas me
levanto da cadeira aperto o botão e se faz a luz, que não sou nenhum fanfarrão.
Agora ascendo às alturas e vou em um ascensor. Ou ascender às alturas sempre
é ir ao céu como a Virgem Maria? Não. Eu, por exemplo, nos quadros pinto
ascensões permanentemente, as pessoas dizem: a Virgem Maria, e lhes digo não,
ascende a poesia, pode ascender qualquer coisa, qualquer coisa frágil como a
Virgem Maria, porque te dá conta que a virgem era frágil e por isso se pode
fazê-la ascender. Jesus que já era mais pesado não o viste nem cair da cruz
nem ascender aos céus, ao contrário uma coisa leve como uma Virgem, uma
inexistência tal, naquela época...
CS:
Que não havia contaminação.
MOM:
Em absoluto, mas tampouco havia virgens, porque ninguém tinha o conceito de
virgem jovem, de criança, isso surgiu há 200 anos.
CS:
Algo mais para a entrevista?
MOM:
A verdade é que gostaria que, por exemplo, você que tem essa polêmica posição
no mundo, por que não cria um partido político? Eu sou seu assessor.
CS:
Eu gostava desse que vocês criaram quando estavam em Buenos Aires, o Partido
ao meio.
MOM:
Eu era o assessor ideológico do Partido ao meio.
CS:
Partido ao meio, a cisão fundamental da mão da psicoanálise.
Sarama
é o lugar da mulher que amo,
é o pleno horizonte onde não chega a aurora.
Quando caio nele, como vindo de longínquas planícies,
mares desconhecidos,
Sarama se abre sem par a minha queda.
Deixo que minhas entranhas se mesclem com seu céu.
Em Sarama tudo é pampa infinita a minha chegada.
Depois
já de sonhar cansados,
amores, amores, grita Sarama enlouquecida.
E não é o vento que soa ao conjuro do amor nascente,
é o rasgo do vento, os sons etéreos de seu riso.
Sarama é o lugar da mulher que amo.
Quando eu adormeço, Sarama deixa de pulsar.
Nos
dias de amor eu costumava, sem voltar atrás, amar com todo o desespero
possível, depois algo se aquietou em mim, algo em mim se fez como
adocicado, como torpe.
Estou
envenenado, estou absolutamente envenenado.
Sangue
e sêmen são pus alborotado em tua lembrança. São pus glorioso
levando-se adiante o universo.
Estávamos
arrebatados e luxuriosos de nossos corpos apodrecendo na névoa. Tudo era
delicado, de vez em quando um antibiótico nos chamava à realidade, que
nunca era bela, na realidade sempre havia alguma dívida impaga, alguma
comida queimada, algum amor desbotado...
Estou
aqui enterrado, o compreendo, mas os mortos falam, quem não sabe? Os
mortos falam e bailam e alguns como eu, impuros até na glória, somos
capazes de escrever. O massacre das letras, pus no espaçador da máquina
o número um e ficarão as letras apertadas, tudo para poupar um pouco de
papel, até que não saiba o que estou escrevendo. O mais filho da puta de
todos, comigo, está claro, sou eu. Dou minha vida por um verso pleno e me
dou conta de que isso significa exatamente uma obra de quarenta volumes. Não
sei se isso chegará ou terei que ter além de tantas páginas, tantos
companheiros.
Eu
de verdade não quero ser feliz nem amar nem nenhuma dessas coisas. O que
eu quero é averiguar quanto custa exatamente viver duzentos anos. Depois
de conseguir isso, imagino que o amor, a arte, a felicidade, virão sós a
seu tempo.
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