ENTREVISTA
AO POETA MIGUEL OSCAR MENASSA Domingo, 24 de fevereiro de 2002
Carmen
Salamanca: Não nos contaste como passaste no quartel, alguma anedota dessa
época na marina, o que fazias?
Miguel
Oscar Menassa: 1961. Não me lembro de nada do
serviço militar... sim me lembro de duas ou três coisinhas. Eu estava no
terceiro ano de medicina, ou no segundo, um dia que se foram todos os médicos e
me deixaram encarregado da enfermaria da Escola Mecânica da Armada, que foi
onde depois torturaram e vexaram às pessoas.
E
os companheirinhos tinham se inteirado de que eu estava de guarda, encarregado
da enfermaria, onde havia 40 camas e geralmente estavam ocupadas 2 ou 3. Eu
tampouco era médico, era estudante do segundo ano de medicina. Claro, as
pessoas vinham e diziam “tenho febre” e fazia-lhe uma fichinha e o
internava. Pouco tempo depois vinha outro e o internava, no total internei 40
recrutas.
CS:
O que é recruta?
MOM:
Soldado. 40 soldados que estavam servindo, pobre gente. Me dói aqui, me dói lá
e, claro, eu não os examinava, eu tinha feito fisiologia: sabia matar os ratos,
descerebrávamos os sapos de uma só fincada. Matávamos os ratinhos
batendo-lhes a cabeça contra o mármore da mesa de dissecação.
CS:
Claro, e não ia tratar assim os soldados. Isso queres dizer? Que era mais
delicado com os soldados.
MOM:
Não, lhe digo que eu só sabia com animaizinhos, tinha feito só fisiologia. Em
fisiologia as coisas são estudadas com animaizinhos. Na verdade, um médico sai
da faculdade sem saber como funciona o ser humano. Mas depois se aprende, como
todas as coisas. O que lhe dizia?
CS:
Que internou 40 soldados na enfermaria.
MOM:
Depois vieram as autoridades, na segunda-feira, e me deram como que 30 ou 40
dias de calabouço. E não tinham consideração, no calabouço havia um cara
que tinha matado 37 pessoas.
CS:
E te tratavam igual a ele.
MOM:
Claro, e me encerravam com ele.
CS:
Estiveste muito tempo no calabouço, muitas vezes?
MOM:
Não, me tiraram quando lhe quebrei a cara, quase destroço esse assassino,
porque queria me violar e eu não deixava, era muito pequeno, era uma época
onde praticava esporte. Me tiraram da cela atendendo a minhas razões, claro.
Depois terminaram esses 30 dias de detenção e veio um companheiro, um poeta, e
me disse: “Tchê magro, um manifesto a favor de Cuba revolucionária” e lhe
disse: “Mas te parece, cumprindo o serviço militar?” “Sim magro, não
sejas abobado”.
CS:
Total?
MOM:
60 dias no calabouço.
CS:
Por ter firmado o manifesto?
MOM:
Por ter firmado o manifesto, sim. E um pouco de tortura, porque me levantavam às
3 da manhã e me perguntavam "Quem és?" e eu lhes respondia: “Eu
sou liberal”. E me diziam: “E que relação tens com estes comunistas
asqueirosos”. E eu respondia: “Isso, que eu aqui no serviço militar vivo
pior que eles, que sou mais asqueiroso que eles”.
CS:
E coincidiam essas declarações com o sentir dos oficiais naquela época?
MOM:
Os caras não sabiam o que fazer comigo. Aos marinheiros (eu servi na marinha),
acontecia o mesmo que às mulheres, que não sabiam o que fazer comigo, nunca
nenhuma mulher soube o que fazer comigo. Então estava preso, estava encerrado,
mas sempre gozava de certa franquia. Um dia quis ir passear, não dava mais, e
coloquei um bracelete vermelho e subi acima da ambulância e saí à toda e o
soldado que estava de guarda fez a vênia, me fez assim com a mão. Claro, eu ia
tão apressado que pensou “alguém corre perigo”. Com tan má sorteque na rua Corrientes bati, levei pela frente um caminhão e a ambulância
ficou feito pó. Então liguei para a Escola Mecânica e pedi para falar com um
companheiro “hoje pões a cara por mim e eu amanhã por ti”, um companheiro.
Ele teve uma idéia, “eu saio daqui com um jeep e te dou para conduzir e o
castigo vai ser menor do que se dissermos que tu escapaste com a ambulância. Se
dizemos que eu me escapei com a ambulância, que eu não estava preso, que bati
e que tu vieste me socorrer...
E
outros 60 dias.
CS:
Ou seja, que quase passou mais tempo no calabouço...
MOM:
No calabouço estive só uma vez, depois de que quase mato ao assassino. Esse
era um assassino, mas não sabia boxear, não sabia bater, não sabia nada,
pobre homem. Não era um assassino com as próprias mãos, era um assassino com
armas de fogo e como ali dentro não havia armas de fogo... Não me deixavam
sair do quartel, mas eu tinha meus truques, por exemplo, ninguém queria fazer a
ronda noturna, ninguém. Eu cobrava, agora não me lembro quanto, mas cobrava
para fazer as guardas noturnas, que eram feitas numa guarita, um posto de vigilância,
e na realidade pela noite nunca acontecia nada. Às 6 da manhã vinham os
primeiros chefes, mas pela noite nunca. O que eu fazia era cobrar de meus
companheiros da guarda noturna, ia até a guarita, punha o fuzil apoiado no chão,
em cima do fuzil punha o gorro de marinheiro e eu, sem gorro de marinheiro, saía
para a rua, pegava um táxi e ia dormir na casa de uma amiga nossa que, naquela
época, foi a tradutora de Cesare Pavese. Antes das 6 da manhã voltava, quando
passava o primeiro capitão eu lhe dizia, “Bom dia, meu Capitão” e ele me
dizia “Você sempre cumprindo guarda noturna, não sentes medo nas guardas
noturnas” ou algo assim.
CS:
Alguma vez descobriram que saías à noite?
MOM:
Não, se tivessem descoberto isso estaria ainda fazendo serviço militar. Não,
isso não foi descoberto nunca.
CS:
E com os oficiais, que tal? Alguma vez enfrentou algum?
MOM:
Não, com os oficiais não me enfrentei nunca, gostavam muito de mim, estavam
muito aborrecidos e eu era muito inteligente, lia muito naquela época. Não
como você, que lê um pouco, senão que eu lia, lia de verdade.
CS:
Lia, e então?
MOM:
Eles me falavam de qualquer tema e eu lhes respondia, lhes falava, lhes
entretinha. Quando chegavam pela manhã, em seguida diziam: “Chamem
Menassa”. E vinha um soldado e me chamava. A relação com um deles era muito
linda. Eu creio que até chegou a pensar que eu era um filho dele. Quando
pusemos a peça de teatro “Os companheiros de jogo”, eu estive 40 dias sem
ir ao serviço militar, e chegou uma carta em minha casa, que tive a sorte de
pegar, que dizia que haviam me declarado desertor, que se não me apresentasse
em 24 horas não sei o que me aconteceria. E fui com o telegrama a este capitão
que se dava bem comigo. Por que se dava bem comigo? Porque eu lhe alegrava as
manhãs, lhe lia poesia, lhe falava dos gênios daquela época, lhe contava
historietas sobre Marx... Lhe mantinha meio impressionado, porque eu tenho um
Marx particular, calcule que sigo sendo marxista depois da queda do comunismo...
Eu nunca fui comunista e o Capitão era encantado com o marxismo. Então, vou
com o telegrama, o atiro em cima da mesa (bom, isto ninguém vai acreditar,
menos ainda nosso querido e respeitado poeta Leopoldo de Luis. Claro, como iria
crer nestas barbaridades? São barbaridades). Agarrei o capitão que se dava tão
bem comigo, que me fazia um montão de favores, que me deixava estar num escritório
em lugar de estar ali correndo no campo, num escritório escrevendo à máquina,
(porque Pequena história eu escrevi ali no serviço militar, no escritório
deste capitão do qual estou falando). Fui com o telegrama ao capitão, atirei o
telegrama em cima da mesa e lhe disse: “Se minha mãe vê isto morre de um
ataque do coração, vocês não têm respeito, vão mal porque não respeitam o
povo, não respeitam. Minha mãe, uma pobre mulher enferma, que a única ilusão
que tem é que seu filho é marinheiro e lhe mandam um telegrama onde lhe dizem
que eu sou um desertor, isto não tem arrumação, não sei se vamos poder
arrumar”. E me disse: “Pode tirar outros 15 dias” e me deu 15 dias mais de
férias, com o qual terminamos a obra e a lançamos. Claro, porque ali lhe
tocava a fibra íntima.
E
também há uma história com um poema que perdi, e que um dia vou encontrar. Na
Argentina, para que tenham soldados velhos quando entram os novos, a metade da
promoção sai em novembro e a outra metade em Março ou Abril, há muita
diferença entre a primeira baixa e a segunda baixa. Me inteirei que parecia que
eu ia na segunda baixa, em Março, então peguei o encarregado e lhe disse:
“Você me conhece, nos damos bem, eu não agüento mais, não agüento mais,
assim que poderias me dar a baixa na primeira baixa ou eu deserto". Eram
relações muito fortes, eu diria transferênciais, porque me respondeu: “Se
escreves um poema à Marinha te dou a baixa na primeira baixa” e eu escrevi o
poema à Marinha. Esse é o poema que quero encontrar para ver que coisas me
animava a dizer dos belos marinheiros, a tal ponto que eles me deram algo por
isso, que não deveria ser contra eles o que eu escrevia. O tenente me disse:
“Menassa, dignidade ou liberdade” e eu disse “liberdade” porque sem
liberdade não pode haver dignidade. A burguesia sempre te faz eleger entre a
liberdade e a dignidade e, claro, a gente elege a dignidade, por quê? Porque crê
que vão lhe pagar mais soldo, etc, mas o cidadão tem que se dar conta que sem
liberdade não há dignidade.
CS:
Por que estão contrapostas? O que é que, da dignidade, não permite a
liberdade?
MOM:
Que se algum dia encontra uma pessoa com a qual goza muito, não pode ter muita
liberdade. Tem a liberdade de amar isso que lhe prende por sua beleza.
Eu
não digo que não possam andar juntas, digo que como vai haver dignidade sem
liberdade. Estou dizendo que quando alguém tem liberdade, também tem
dignidade. O que acontece é que o sistema não sei se pensa isso assim. No
outro dia falei da mulher. Uma mulher que não tenha plena liberdade, que não
se sinta plenamente livre, verdadeiramente livre, não pode eleger fazer amor,
ainda que o faça. Isto é o mesmo.
CS:
É interessante esse assunto da dignidade. E o que mais no quartel? Havia algum
militar de quem não gostavas?
MOM:
Não, mas estás louca?
CS:
Um chulo, em todos os exércitos há militares chulos ou prepotentes, não havia
algum?
MOM:
Gente de baixa categoria.
CS:
Sim, gente de baixa categoria, porque parece que só te relacionas com gente de
alta categoria.
MOM:
É que para pobre e estúpido basta eu.
CS:
Algum problema com algum militar?
MOM:
Não sei, quem sabe seja tudo delírio meu, depois as pessoas dizem “olha como
delira Menassa” e têm razão. Um dia, antes de ir à revisão que fazem aos
que vão para o serviço militar, subi e desci as escadas de onde me esperavam
40 vezes e, claro, cheguei agitado, morto. O médico me perguntou “o que há?”
E respondi “sofro do coração”. Me fez um monte de provas, fazia fazer ginástica
diante dele, (eu era um desportista de elite), me fazia fazer ginástica, mas eu
ofegava todo o tempo, como esgotado. Ele não acreditou, era médico, mas me deu
apto relativo, que queria dizer que eu não podia embarcar, que tinha que estar
em escritórios, mas claro, tampouco podia me evadir do serviço, da instrução.
O
que aconteceu foi que cheguei e havia um cabo, pequeninho para o meu gosto, que
me ordenou correr e me cansei. Não sei se tenho que contar isto porque eu agora
sou uma pessoa pacífica, eu mudei de situação vital. O assunto é que o homem
me deu um pontapé quando eu estava no chão, eu me levantei, lhe agarrei pelo
pescoço e até que não ficou roxo, não o soltei. Lhe disse que na próxima
vez que fosse desrespeitoso comigo diretamente ia matá-lo, coisa que o pobre
homem deve ter acreditado porque quando me via mudava de calçada. É que nesse
dia o sufoquei, verdadeiramente o sufoquei.
Te
dás conta das coisas que me fazes contar? Porque vamos ver se alguém vai e as
faz. Isto é, que nem sempre saem bem estas coisas. Um dia eu ia caminhando com
um karateca pela rua, mas ele parecia um artista de cinema gay, porque era
loiro, era lindo, delicado, era impossível pensar que tivesse alguma força
para prejudicar alguém. Aconteceu que sempre o confundiam, sempre tinha que
demonstrar sua valia.
CS:
Querias nos contar algo do karateca ou dizer que és outra coisa diferente da
que parece?
MOM:
Você, às vezes, é vulgar.
CS:
Porque me parece que não tinhas terminado essa anedota do karateca.
MOM:
Mas eu também tenho coração, não está concluída porque me lembrei de uma série
de coisas...
CS:
Estavas estudando medicina, segundo curso, quando servias. Por que começou
medicina?
MOM:
Em meu bairro havia ladrões, bixeiros, prostitutas, desocupados, anciãos,
estavam as meninas do homem rico do bairro que estudavam advocacia... Era uma
maneira de sobressair. Por quê? Porque ninguém estudava medicina em meu
bairro. Como para mim as coisas eram todas mais ou menos fáceis e mais ou menos
difíceis ao mesmo tempo, elegi estudar medicina. E depois, tenho que reconhecê-lo,
porque depois estudei psicoanálise ou já de alguma maneira estava estudando
psicoanálise, tenho que reconhecer que meu papai se encantava que eu fosse médico.
Não sei porque lhe encantava. Bom, pelo mesmo motivo que, quando eu escrevia,
ele me dizia, “Filho meu, em nossa família todo mundo era poeta, até eu”,
dizia meu pai, e me cantava algo em árabe, e claro como eu não entendia um
caralho lhe dizia: muito bem! Porque gostava da entonação. Me dizia: “médico
em nossa família não houve nenhum, assim que te toca”. E, dado que em meu
bairro não havia nenhum, que em minha família tampouco havia nenhum e eu era
amigo de fazer favores... Como isso de “Se vais a Calatayud pergunta pela
Dolores”, não como a Dolores porque eu não tinha corpo para isso, eu tinha
espírito, sempre algum favorzinho a alguém eu fazia. Cheguei a fazer amor com
algumas moças, que eu me dava conta que os maridos estavam preocupados com
outras coisas, para que ficassem em suas casas cuidando da família.
CS:
As moças?
MOM:
Claro, as moças, tendo relação com um amigo do marido, já era o mesmo que
ter relação com o marido e então podiam esperá-lo. Como um favor à amizade.
E
algum dia vais me perguntar sobre minha obra? Não, claro, a tens que ler.
CS:
Estamos fazendo sua obra, nesta época todavia não tem “sua obra”. 1961 a
1963.
MOM:
Não, na verdade, você tem razão.
CS:
Quando estavas servindo em 1961, 1963, aí tinha dois livros publicados, o
terceiro vem em 1966. Como era essa vida? Serviço militar como marinheiro, às
vezes estudando medicina... Como era escrever versos?
MOM:
Facilíssimo.
CS:
Como?
MOM:
Porque vivia com gente que vivia e que não eram dados a escrever, que não
sabiam que se podia escrever, assim que era facilíssimo porque eu era o
escritor. Havia 30 ou 40 pessoas que viviam para que eu escrevesse. Não te
agradou a explicação. Porque, viu? Na alma não há nada, se existisse a alma,
está vazia, porque, se existisse a alma, teria que ser toda para seu criador. Não
se pode ter coisas na alma, nos livros estão as coisas, nos produtos sociais.
CS:
Isso é para explicar que era facilíssimo escrever poesia.
MOM:
Em minha situação social, onde eu trabalhava sempre para um monte de gente que
além de não escrever, essa gente trabalhava para mim, devolvendo-me... Parece
que sempre entendeste os lugares onde estavas. Eu em minha vida nunca entendi
por que estava onde estava, nunca, então decidi já, não entender. Quando
pergunto em que lugar estou, sempre alguém responde e me ponho a fazer as
coisas correspondentes a esse lugar, porque, senão, é muito difícil viver.
CS:
Sim, não faz falta entender, além disto é impossível entender o que se está
vivendo, mas ainda assim, se pode falar.
MOM:
Sempre tomas para o lado de que eu não te estou querendo falar, no final vais
conseguir.
Sabes
que no arrabalde pelas condicões climáticas, a comida que se come, a
superproteção das mães pobres, porque as mães ricas não se ocupam dos
filhos, ao contrário as mães pobres superprotegem os filhos, então tudo
isso... Qual era a pergunta que me fizeste?
CS:
Se estudou medicina para fazer um favor.
MOM:
Sim, que era uma lástima desperdiçar um menino como eu, (assim diziam as
pessoas) que era capaz de estudar qualquer coisa. Por exemplo, em seguida me
tiraram da cabeça, mas eu queria ser mecânico de aviação, olha o futuro que
teria tido, agora, com todo o terrorismo. E as pessoas do meu bairro, meu papai
e minha mamãe, não me deixaram, “Como vais desperdiçar um talento assim?”
diziam, “tens que ser um bom universitário”. E eu resisti bastante a isso
de ser um bom universitário. Bom, comecei a trabalhar, não como médico, mas
sim como psicoanalista, que tem em algum lugar suas coisas médicas, antes de me
formar como médico. Por fim criei tanta complicação, apesar de que comecei a
estudar aos 17 anos, mas criei tanta complicação, deixei de estudar quando fui
à Itália, depois voltei e não sei o quê, depois me nomearam chefe de não
sei o que, por fim me formei quando tinha 29 anos.
CS:
29 anos...
MOM:
Sim, 29 anos. E assim como com a poesia não tenho dono porque eu escrevo muito
bem, (um homem que escreve tão bem como eu não necessita dono para escrever),
com a medicina se podia dizer o mesmo no sentido de que, quando eu me formei médico,
já ganhava a vida e além disto muito dinheiro, sempre fiz o que tinha que
fazer, medicamente falando. Logo, em outras ocasiões, fiz outras coisas.
CS:
Havia lhe perguntado como era isso de escrever versos, como podia ser
compatibilizado com todo o resto e me disseste que é muito fácil, não me
disseste nada mais.
MOM:
Mas, me perguntavas pela compatibilidade? Bom, é o problema que sigo tendo, as
pessoas continuam me perguntando de onde tiro tempo. Má pergunta, acabas de me
perguntar isso, má pergunta no sentido de que se tenho que tirar o tempo de
algum lado quer dizer que alguém o tem ou que está em algum lugar.
CS:
Não te perguntei pela compatibilidade do tempo, senão do sujeito.
MOM:
Mas de que sujeito me falas? O sujeito é múltiplo, o sujeito gosta de se
banhar em diferentes opiniões, o que acontece é que está persuadido pelas
ideologias e as bobagens essas do amor. Isto é, que se não somos todos
renascentistas é porque não sei se convém ao estado, não sei se convém à
família, mas o homem tem um espírito renascentista: faz isto, faz aquilo, faz
o outro. Se cansa menos das coisas quando as compartilha com outras coisas. Ou
isso não acontece contigo?
CS:
Sim.
MOM:
Bom, assim como te acontece, acontece para todo mundo.
CS:
Claro, aí está que o tempo se produz.
MOM:
O tempo você o produz fazendo suas coisas. Isto é muito interessante, as
pessoas sentem que não perdem tempo quando pensam, por exemplo, em si mesmas,
quando pensam, “vou comprar isto e então vou pedir dinheiro e então...”
porque aí não lhes passa o tempo.
CS:
Como que não lhe passa?
MOM:
As pessoas, pensando nessas bobagens, perdem muito tempo. Se eu não penso
nisso, já tenho 4 livros para fazer, 7 quadros. É que se gasta muito tempo
nisso. Por exemplo, se a ama de casa tivesse um espaço, outro âmbito além da
limpeza para poder pensar nela, eu estou absolutamente seguro de que faria mais
rápido a limpeza, perde todo o dia fazendo a limpeza porque é o único lugar
de reflexão que tem e ninguém a molesta quando está fazendo as coisas da casa
ou a comida. Mas se pudéssemos forjar com algum critério espaços, não digo
mandar à universidade todo mundo, digo espaços onde a ama de casa possa
refletir sobre suas coisas sem necessidade de que alguém chame sua atenção
porque não está fazendo a comida, ou porque não está varrendo o chão.
CS:
É o ócio do qual falavas no outro dia. O ócio para a mulher, parece que ela
necessita desse tempo de ócio, que não é o mesmo que o do trabalhador.
MOM:
Ultimamente por fim tenho que falar bem do capitalismo, coisa que para mim não
me agrada. A mulher tem um atraso porque isso que disseste é para o
proletariado, a burguesia regula seu ócio para que o trabalhador volte a
trabalhar. Resulta que a ama de casa não tem ócio regulado, se supõe que ela
tem que estar aí, não que vai e volta, ela tem que estar sempre aí.
CS:
Trabalha 24 horas.
MOM:
Isso é um atraso, é anterior ao capitalismo. É o feudalismo, mas só para o
servo, porque depois também havia os senhores feudais.
CS:
Havia e há, ou agora não há?
MOM:
Sim, também.
CS:
Com outro nome.
MOM:
Sim, se pode dizer de outra maneira, que há pessoas que não querem ser proletários,
que não querem ser trabalhadores, que preferem ser servos, também se pode
dizer assim.
CS:
Me lembrei do livro que publicaste em 1966, 22 poemas e a máquina eletrônica
ou como desesperar os executivos, que leva por título “Como desesperar os
executivos” é uma espécie de fábula. Salomão tem uma formiga na mão e lhe
pergunta: quem é o maior ser da criação? A formiga lhe disse “Vamos ver,
levanta um pouco tua mão” e quando estavas acima da cabeça de Salomão lhe
disse “Tu és grande verdadeiramente, mas eu sou maior do que tu porque estou
acima de tua cabeça”. Então Salomão a atirou no chão e a condenou a viver
partida pela metade. Moral da história: um executivo é sempre um executivo. Não
sei que relação tem com os senhores feudais, mas tem relação com o poder.
Vamos ver se podes me esclarecer um pouco.
MOM:
O que acontece é que não entendes que um bom executivo, e eu creio que queres
sê-lo, é alguém que se sente dono da empresa para a qual trabalha, portanto
tem esse poder. Não participará dos lucros, mas se, seguramente, sente a
empresa como sua, ganhará mais dinheiro, pelo modo de participação nos lucros
e além disto irá pela vida como um tirano, no sentido de que ao se sentir dono
da situação...
CS:
Pode partir o outro pela metade.
MOM:
Ou construí-lo, porque também é tirania fazer o bem às pessoas. Sim. Que bem
lhes faço? O bem que eu creio que é o bem. Mas, esse é o bem para essa
pessoa? Esse é o bem para mim, então eu quero que façam para mim, vou e
invento o que e se faço fazer a toda a humanidade, erro porque é algo que
acontece comigo, não a toda humanidade.
CS:
O engano dos políticos, que mesmo tendo sido eleitos democraticamente se
esquecem um pouco do povo.
MOM:
Esquecem a democracia aí onde lhes basta sua maioria absoluta para fazer
coisas. Se tivéssemos encontrado uma forma equilibrada de governar, já o teríamos
feito. O homem não é tão mau, é que não se sabe o que fazer. Acreditava que
era de uma maneira e viu que essa maneira era incorreta. É como o que está
ocorrendo com os Estados Unidos, que o terrorismo que vêem “vamos todos
juntos que ganhamos”, a Europa não o pensa exatamente assim, não lhe convém.
Esses países que os Estados Unidos quer seguir atacando, poderíamos dizer que
são da área de influência da Europa, com quem a Europa pode fazer seus negócios
no dia de amanhã ou já os está fazendo. Ataquemos o terrorismo, mas já não
podem ser violados todos os direitos humanos, voltar ao ano 1500 antes de
Cristo, não se pode. Vão tentar, mas não poderão (claro que isto é uma
opinião, quem sabe possam). Não se pode renegar a tudo o que ensinou a
Universidade durante 100 anos. Que o amor é livre, o que significa? Posso me
apaixonar por meu inimigo e não podem me condenar por estar apaixonado por uma
pessoa que vocês não querem, estar apaixonado pelo inimigo não é condenável,
a literatura está cheia destes casos.
CS:
Mas também há na história inúmeros exemplos de destruição total e brutal
do conquistado, passos atrás que logo se tarda centenas de anos para
reconstruir ou para recuperar esse tempo.
MOM:
Eu, na guerra que o mundo ocidental fez contra o Iraque, senti claramente que o
que se estava atrasando um século, (quando o que parece que estava atrasando
era outra coisa) era a revolução feminina, a liberação feminina estava se
atrasando um século com o do Iraque. Agora está acontecendo porque quando
aumentam as restrições para o cidadão, pelo pouco que eu conheço da história,
se restringem mais para a mulher. Por exemplo, quando nas ditaduras há toque de
recolher ou nas situações de catástrofe há toque de recolher, apesar do
toque de recolher os homens podem sair à rua, ao contrário se vê menos que as
mulheres saiam à rua.
CS:
Há um exemplo que pode te parecer banal, no concurso Operação Triunfo, havia
uma moça favorita, Chenoa, e muito habilmente a imprensa lançou uma notícia
de que havia se envolvido com alguém do concurso, que havia deixado/traído seu
namorado na semana anterior à votação final, e não foi eleita. Uma manobra
de desprestígio, em minha opinião.
MOM:
Sim, é uma manobra de desprestígio num povo que desprestigia as pessoas que
fazem amor, porque se fosse um povo que amasse as pessoas que fazem amor, não
seria uma campanha de desprestígio, mas ao contrário, serviria para que
tivessem votado nela. Porque os poderosos são os poderosos, o importante é que
o povo, às vezes, está de acordo com o dano que os poderosos infligem sobre o
povo, que não sabemos por que motivo, mas é assim, é assim. Porque, que
tantas pessoas inteligentes tenham dito que o povo tem o governo que merece,
isso é uma coisa que temos que pensar, há governos que não fazem outra coisa
que matar e envenenar o cidadão, e se isso fosse assim, os povos teriam que
pensá-lo de outra maneira. Não quero me meter com o governo atual espanhol,
mas vocês sabem que temos o governo atual porque o povo fez um voto de censura
aos socialistas. Bom, eu creio que mais de um está se arrependendo. Teriam que
saber que essas coisas não se faz. Na Argentina ganha as eleições De la Rúa,
que também se fez com um voto de castigo ao peronismo, ou o próprio peronismo
fez um voto de castigo a Duhalde quando era candidato a presidente, se não,
teria ganho Duhalde. Ao contrário, ganharam os radicais porque queriam castigar
o peronismo, mas resulta que os radicais sempre fizeram o mesmo, rapidamente
levam o país à ruína, mas rapidamente, antes que cante um galo. Já o fizeram
como oito vezes, no entanto o povo, para castigar aos governantes que lhes
haviam feito viver melhor, votou nos radicais. Agora vá saber como vão parar
essa situação, e tudo começou com um voto de castigo.
Eu
não sei como contarão a história, mas os intelectuais alemães foram os que
votaram em Hitler. Viste que não se pode confiar nos intelectuais? E no povo,
menos, o povo quer comer, nada lhe interessa. Te contei quando pediram a Fidel
Castro que desse casa aos pobres? Três dias depois de assumir o poder em Cuba,
as pessoas começaram a lhe pedir casas. E ele o pensou, e decidiu que não
havia casas para ninguém, até que não se construíssem as casas para todos os
cubanos e, na verdade, conseguiram bastante. Mas claro, não escutou o povo,
escutou a consígnia de um projeto possível para que cada habitante tivesse uma
pequena casa. Houve um fracasso em todas as alianças com Cuba, mas Cuba viveu
uma época de glória. Chegou a ser o lugar do mundo onde há a melhor cirurgia
ocular, onde há um médico para cada 5 ou cada 10 habitantes, ainda que logo não
tenham nem gazes. Houve um momento de glória, um poeta nobel ou quase nobel com
um livro publicaram 70.000 exemplares, uma época de glória. Segundo estivemos
vendo na entrevista anterior, que apesar do protesto que alguns companheiros de
Fidel Castro lhe faziam, no sentido de que não se podia depender da União Soviética,
e que havia que industrializar o país, não foi possível fazer isso, e se
dependeu tanto da União Soviética que quando a União Soviética quebrou,
quebrou Cuba. Não sabemos o que teria ocorrido em Cuba com dinheiro. Porque,
por exemplo, agora tem que pagar à vista a comida que os Estados Unidos lhe
manda, e parece que já chegaram três barcos e foram pagos em dinheiro. Mas são
coisas que já não entendo, gostaria de entendê-las melhor.
Tem-se
que votar em quem se gosta. Como vou votar um voto de castigo? Como eu vou me
deitar com uma mulher para castigar a minha mulher? Mas por favor, aí é onde
se arma toda a confusão.
Hoje
quero render uma homenagem a tua boca, a teus lábios de besta
desesperada, a tua maneira de beijar como se sempre fosse a primeira vez
e, ao mesmo tempo, a última.
De
tua boca aberta depende toda minha potência, por isso te canto com tua
boca em minha boca, como se os sons fossem todos da alma.
De
pé no centro do quarto, enquanto uma mulher lhe chupava a pica, outra
mulher lhe chupava o cu e outra mulher lhe chupava a boca, ele com os braços
estendidos, exclamava:
-
Sou um velho inerme, alguém que vai morrer rapidamente.
E
como elas riam com risos cristalinos porque não se davam conta de sua
velhice, ele com voz mais pausada lhes dizia:
-
Muitos gênios se esgotaram nisso de buscar interlocutor e o único que
encontraram foi a morte, ou melhor sua versão atenuada, a loucura.
Desta
vez tocará aos cegos enlouquecer. E, por agora, se vê muito claramente,
não haverá desaparição. E o reconhecimento de chegar será massivo,
assim que deverei cuidar-me, também, do reconhecimento.
Tenho
que seguir construindo uma mulher livre, para poder amá-la, até fazer
saltar os limites do amor que, por fim, operam como resistência.
Aceito
que a sexualidade atual está regida pelos patrões masculinos da
sexualidade, mas quero agregar que, quando a mulher possa impor o seu,
também reprimirá e já não haverá quem foda nunca mais.
Índio
Gris
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PRANTOS
DO EXÍLIO
Autor:
Miguel Oscar Menassa
75 pág.
18,30 EUROS, 3000 PTS. , US $30. Contém treze lâminas
com alguns dos melhores
quadros da obra de Miguel Oscar Menassa.
"Exercício
na clave do tempo
Óleos"
Stella
Cino Núñez de 8 à 17 de março de
2002
Inauguração:
Sexta-feira 8 de março às 19h
Encerra:
Domingo, 17 de março às 14h
Sala
Manolo Revilla
(Mutual complutense)
(C/ Nova nº 10. Alcalá de Henares)
Horários:
De Segunda à Sábado das 19 às 21h
Domingo, das 12 às 14h