A POESIA NÃO SE ENAMORA NUNCA
A meus filhos,
discípulos e afins II
O ensinamento maior que tenho
para dar-lhes
é que o sexo não cai.
Se desenvolve, se transmuta, se faz insensível,
chora, boceja de aborrecido, se libera de mais.
Contrai enfermidades, se cura, se arrepende,
é homem e é mulher e nada sabe do amor.
E quer ser mulher quando lhe toca homem
e quer ser um homem quando lhe toca menino
e mãe quer ser quando é mulher
e se mulher lhe toca quer ser menino,
serpente ou bruxa quer ser e puta
e qualquer coisa quer ser
contanto que não saiba nada disso
mas o sexo não cai,
se entrega, se submete,
escraviza todos seus sentidos,
para permanecer aí,
oculto ou estalando em pedaços,
esquartejado e só,
ereto e firme, sempre impune,
totalmente aberto às carícias,
ao beijo, à ternura,
ou melhor quase fechado, obscuro, brando,
débil a ponto de fracassar em tudo
e se encerra em si mesmo
e com uma mão se masturba
e com a outra mão espera
e se masturba
e chega a parecer que o homem
morre assim, pequeno, empobrecido
sem nada o que dizer, sem alma.
E, no entanto, lhes digo:
o sexo não cai e se serve de algo
eu mesmo farei de exemplo.
Às vezes, também, creio:
Sou um grande homem, me digo,
sou um grande homem e, no outro dia,
me levanto todo tolhido e dolorido
como se um trem carregado
com mercadorias perigosas
tivesse passado por cima.
Muito poucas coisas falam de mim
com certa clareza.
Meus amores são muito apaixonados,
não posso encontrar neles,
ainda que houvesse,
nenhuma inteligência e
minha própria inteligência está travada,
por falta de paixão.
Com o dinheiro me passa que nunca sei quem é
se eu, porque o ganho ou ela, porque o gasta.
E, depois, estão essas tardes gloriosas
onde não posso reconhecer como própria
minha própria pele.
Ela se mete em mim mas só
para que outra mulher a acaricie.
E a outra mulher me acaricia
depois de dar-se conta que em mim,
tudo o que me dão ela recebe.
Depois destes encontros,
onde todo mundo goza e eu,
não me dou conta de nada,
atravessamos por instantes de paz
onde a música chega até nós
e ficamos como suspensos
de um relato dramático.
Elas ensaiam sobre elas mesmas
manobras de violência,
sem olhar-se nos olhos,
sem dar-se conta que as estou olhando
e eu, pobre homem, amante da solidão,
não entendo porque me acontecem estas coisas.
E ela e a outra sorriem com traição
e dizem uma à outra que me amam.
No momento de desnudar-nos somos livres
elas ficam se olhando de perfil no espelho
e eu, extasiado, caio de joelhos e me adoro
mas o sexo não cai.
A
meus filhos, discípulos e afins II
POESIA, CARTAS DE AMOR, PSICOANÁLISE,
EROTISMO OU PORNOGRAFIA?
ALGO DE POLÍTICA OU COLETA DE LIXO
E CARTA DO DIRETOR |
AMORES PERDIDOS
OS ÍNDIOS
III
Eu
sou, de pedra, o índio americano,
que não matou Espanha na conquista.
Venho de um céu, cálido, sem deuses.
De uma planície fértil, quase sem
limites.
Sou o sangrante e falante guarani,
a pura lágrima, límpida do maia,
o sulco aberto, com firmeza, pelo inca,
a tristeza, infinita, do que não morre.
Sou a árvore, a fruta, o ouro, a
pérfida esmeralda.
Prata esquartejada, sangrento cobre metralhado.
Montanhas e mulheres saqueadas em nome de Deus.
Sou da América o verbo, a pluma
diferente,
indígena e galáctico, histórico e supérfluo,
granítica presença, fel dos tempos.
Amores
perdidos. Os Índios III