POESIA, CARTAS DE AMOR, PSICOANÁLISE,
EROTISMO OU PORNOGRAFIA?
ALGO DE POLÍTICA OU COLETA DE LIXO
E CARTA DO DIRETOR
"A MULHER E EU"
27
Esta noite
vem nos visitar
minhas duas melhores amigas da juventude,
assim que melhor pensamos como as receber,
quero vê-las felizes ainda que seja uma noite.
E eu que tenho que ver nos festejos?
são tuas amigas, eu não as conheço,
melhor vou ao bar ou escrevo e,
além disto, quando as mulheres falam
entre si, de suas coisas, não as agüento.
Ela, como mimosa, me disse doce:
Nada, tu não tens que ver nada,
são minhas amigas
mas eu sou a única das três
que conseguiu casar e tu,
querido, és o único marido
que conseguimos entre as três
e, aí, algo que ver, um pouco, tens.
Nosso único pecado ter seguido fiéis
ao infinito beijo e essas coisas que nos deste,
às três juntas como se nos amasses juntas
no dia de nossas bodas recordas?
Aqui nos tens, somos as três em uma,
três mas com a mesma consígnia, te amar
como se fosse possível amar os furacões,
faz conosco o que possas sustentar
com tua palavra, teu sexo ou teu dinheiro,
então, além disto de nosso corpo aqui,
contigo, conseguirás, ainda que não exista,
nosso amor fervente, iluminado e,
cada vez que no poema digas mulher,
ou minha mulher, ou a mulher do vento
ou a terrível morte traiçoeira,
sempre seremos três, três ataduras,
três vertentes oceânicas em tua pele
e por sobre todas as coisas
milhares de histórias de ciúmes e dor
para tua poesia, para toda cor.
Eu me deixei estar em versos companheiros,
e a vida que não se acaba nunca,
recorri o caminho recorrido e me detive
e me cai mil vezes e tudo era lindo
minhas palavras haviam tocado cada lágrima,
cada sorriso, toda a beleza do porvir.
Aposto minha vida, lhes disse,
à inteligência de minhas mãos
porque meu homem não se fez vivendo
tudo o que toquei de humano e de verdade
o consegui escrevendo versos meus e alheios.
Agora querida, me toca viver,
viver, simplesmente, sem fazer nada.
Uma que outra conversação, agregou ela,
um tango, pelas dúvidas,
alguma mulher te pedisse.
Isso mesmo, lhe disse
e uma mulher para bailar tango
e os jogos de azar
e os compromissos revolucionários
que tanto bem fazem à poesia.
A teu lado eu me sentia sempre
o super Lázaro, o ressucitador,
punha levemente minha mão
sobre as feridas da alma
e estas, as pobres, cicatrizavam
para dar lugar ao amor.
Que valentia, disse ela, que gesto solidário.
Às vezes nos reuníamos em bandos
para averiguar quem era o amor
e nunca houve tanto vento
tanto vento sobre tanta nuvem.
Mas que valentia, que beleza.
Tudo evaporava entre as mãos,
o amor era impossível ser e isso,
precisamente, nos mantinha unidos,
crendo, talvez, que algum dia...
Até que, resignados, escrevemos:
No exemplo de viver, viver é o exemplo.
Existem
paixões que não alcaço compreender,
hoje, um Deus, se beneficia com nosso canto.
E ela, com ternura e com raiva, quis perguntar:
E, se até Deus se beneficia com nosso canto,
por que não nos querem pagar por nosso canto?
Seus olhos eram distantes na pergunta,
foi então quando lhe disse:
Estamos aqui para morrer
Mas, quem morra hoje,
amanhã não jantará conosco.
És tão diferente do resto do mundo
que muitas vezes não posso crer
e te trato como a todo mundo, mal,
me distancio de ti quando te necessito,
me obrigo a romper e abandonar
o que goza em mim e vem do mundo.
Sou, como dizer-te, uma piolhenta?
E não tanto pelos piolhos que não tenho
senão por ciumenta e invejosa, meu amor,
não posso suportar o gozo ansiado
se provem de ti, a carícia ou o triunfo,
por isso é que prefiro pensar de ti
que és vulgar, estúpido e até feio.
Que aprendeste a escrever a meu lado,
quando nos conhecemos não sabias
tratar as mulheres nem ao poema
e depois a conclusão é sábia,
me disse para me tranqüilizar:
E, todavia, cheio de ilusões,
pretende que goze com suas coisas.
Não está mal, lhe disse com confiança,
ao menos hás aprendido a falar,
agora os dois juntos, talvez, possamos aprender
que sempre teremos que alcançar alguma altura
e, depois, sempre e cada vez, teremos que cair.
E não poderá ser de outra maneira, subir e depois, cair,
o melhor é, então, aprender a cair como um atleta
para ficar saudáveis e em condições de começar
a subir, novamente, amando e voando, às alturas.
Ela foi contundente quando disse:
E agora o que queres?,
que tome um professor de vôo
ou que te chupe, sem mais...
Seus pontos suspensivos postos aí
me indicavam falar ou permitir que,
a causa de meu silêncio incompreensível,
uma vez mais, me chamasse marica.
Espero lhe disse, temendo,
estar me torcendo o suficiente
para que ninguém, exatamente,
me possa seguir.
Quando me dou conta
que posso escrever
de tudo o que me proponha,
não me proponho nada.
Há dias que penso que não mereço, do mundo,
senão aquilo que o mundo me concede.
O que o mundo não me dá e é necessário,
o consigo eu mesmo, trabalhando.
E o que o mundo não me dá e é superior
ou supérfluo ou de luxo, o consigo virtual,
escrevendo, fazendo amor, sonhando,
mudando minha pequena e pobre família
pela ambição de produzir dinheiro,
jogando com as palavras aos versos,
jogando com as cores a estar vivos,
jogando com nossos corpos ao amor.
Ela faz, com certa inteligência,
frases inteiras onde meu sexo não existe,
não tanto por inveja ou dor senão,
simplesmente, para encurtar distâncias.
Ela, em definitiva, destrói tudo
o que se interpõe entre ela e eu,
ainda que seja propriamente meu sexo.
Então é quando me pergunta:
E depois, o que farás?
Escrevo todo o tempo,
desesperadamente,
dia e noite
faço minha a cor,
desesperadamente,
e amo como se deve
e como não se deve e,
às vezes, faço amor
com quem não corresponde,
mas deves saber:
Sempre, desesperadamente.