DEPOIS DA GUERRA DO IRAQUE,
REINA A TRANQÜILIDADE NOS ESTADOS UNIDOS
POESIA, CARTAS DE AMOR, PSICOANÁLISE,
EROTISMO OU PORNOGRAFIA?
ALGO DE POLÍTICA OU COLETA DE LIXO
E CARTA DO DIRETOR
"A
MULHER E EU"
17
Uma vez, ela me intimidou com suas perguntas:
Tiveste alguma vez paixões verdadeiras?
Alguma mulher, uma idéia, algum vício, ou poema?
Fiquei como tocado pela neve, gelado.
Vir-me perguntar, precisamente, a mim,
se alguma vez, apaixonadamente, entreguei meu canto
à mulher amada ou a meus vícios secretos
e surpreso me perguntei: E ela me pergunta?
Ela, que transformou em virtude todos meus vícios
e ficou a meu lado e, livre, amou todo meu amor.
Mas foi se pondo triste de si mesma
triste de gozar da vida e começou a sofrer.
E nada lhe chegava para seguir sofrendo.
Se atava aos postes telefônicos,
para escutar todas as conversações
e se metia na vida de todo mundo
mas oh! singular mulher, ela,
não estava no mundo.
E enganava a si mesma todo tempo,
se olhava no espelho e se dizia:
Sou uma mulher, e enganava a si mesma,
quando dizia: sou uma mulher independente.
E quando se dava conta até com dor
que não era ela mesma a mulher de seus sonhos
e que, ela mesma, não era nada independente
disse com paixão: Assim é a vida, sempre nos engana.
Houve mulheres a meu lado
por dizer algo, disse,
a quem lhes bastava
que eu tivesse sexualidade,
eu vivia e elas se conformavam
olhando-me viver.
Esses dias, quando brincávamos a existir
terminávamos destroçados, sem fé
gritando à lua nosso fracasso:
Existir não é possível, nem sequer jogando.
Sou este troço oculto para mim,
me dizia ela chorando arrebatada
e tu não existes
a menos que esta mulher que sou
te queira.
E o sol existe porque nos dá vida
e de tanto nomeá-lo o temos feito possível
e nosso amor, que seria nosso amor
sem o beijo ou a frase de amanhã,
que o irão produzindo?
Eu não gostava de filosofar,
eu era um homem concreto
feito de cal, de areia, de cimento
por isso que, quando ela falava
tratando de eludir no falar
o compromisso de poder fazê-lo,
eu a amava por essa desordem,
por essa insolência quase ingênua.
Falava do mundo como se ela
não estivesse no mundo.
Me maravilhava sua prudência,
sua indiferença, sua dissociação.
Falava dos homens das outras mulheres
como se ela fosse extraterrestre ou divina
e a mim, hoje quero confessá-lo totalmente,
me enamorava dela essa paixão de solidão.
O corpo era uma verdade inquestionável
mas ninguém encontrava a maneira de dizê-lo.
Vinha, se impunha sobre tudo e, ao partir,
deixava um tremor no ambiente
que ninguém podia reconhecer como próprio.
A tirania de nosso corpo
sobre nossas vidas, não tinha limites.
Quando estava presente
rompia tudo com sua prepotência.
Agora a comer, agora a cagar, agora a foder,
agora, já mesmo, agora,
comer ainda que não haja comida
cagar mil vezes esse montão de nada
e foder em um momento inoportuno
e, sempre, com quem não corresponde.
E quando o corpo não está,
aí, o homem, compreende sua escravidão.
Nem sequer uma alma fortalecida
pelo desejo de amar e a amizade,
pode viver sem corpo.
Recapitulemos, amada,
tu me concedes uma graça e me chupas,
por dizê-lo de alguma maneira, me fazes um favor.
Com a vida que levamos no mundo moderno,
eu gozo o que posso e te agradeço.
Mas esta noite fiquei pensando.
Sua boca gozará?
Fui recorrido por um calafrio,
quando cheguei a me dizer
talvez, só sua boca te ama,
talvez, só sua boca te deseja,
porque não conformar-me com sua boca,
porque não fazer dessa boca
que chupa e que deseja todo tempo,
um monumento histórico e atirar,
aos cães famintos,
com muito amor, todo o resto.