13 de Agosto de 2004 Buenos Aires
RECITAL POÉTICO MUSICAL "MIGUEL OSCAR MENASSA." acompanhado pelos ÍNDIOS GRISES
em A nave dos sonhos.
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COMECEI A ME DAR CONTA
Comecei a
me dar conta de que não era livre.
Ninguém tolerava que aos 61 anos,
amasse o amor em lugar de fazer.
Ninguém
tolerava que aos 61 anos,
todavia amasse a liberdade
que nunca havia conseguido.
Nem eu
mesmo aos 61 anos
posso amar meus desejos sexuais.
E depois,
as tardes de domingo,
me deixava cair como uma flor murcha
para que ela me pisoteasse e nunca, ninguém,
nem sequer ela mesma em seu estremecimento,
podia tolerar minha resurreição.
E eu me
alçava como os que sabem voar
e já tinha 61 anos e sempre me via cair
mas a vida mesma é uma só para todos
por isso houve dias que algo em mim não caia.
Ela,
rezando ajoelhada
e eu, alçando-me na frase
até tocar sua alma,
seu ventre
sua canção.
Aí estavam
as luzes e éramos todos cegos.
Ninguém
podia ver além de seu amor.
Ninguém
podia chorar por desgraças alheias.
Ninguém podia dar comida ao faminto,
nossa desgraça levava tudo.
Nunca houve justiça entre nós
e jamais conhecemos a liberdade,
somos um povo morto,
desde o começo nunca houve pão.
Assim eram
as frases que ela recitava
quando, valentes, fazíamos amor.
E ninguém
tolerava que nosso amor
fosse esse suave galope cibernético
aos 61 anos
quase sem pernas
sem vontade de voar
sem cabelos ao ar
sem mãos ao uníssono
gravando em teu corpo
as marcas do tempo.
Aos 61 anos,
quando fazíamos amor
tudo era alucinação
verbo e loucura.
E o pior
de tudo
era que ninguém podia suportar,
nem sequer ela mesma,
que eu a olhasse nos olhos
durante as comidas,
no banho,
um momento antes de parir
filho ou poema,
e a olhava nos olhos
quando fazíamos amor
e isso, na verdade, a enlouquecia
e seu gozo era magistral e novo
mas nunca pode tolerar.
Um dia me
disse claramente:
não suporto que aos 61 anos
sejas tão feliz.
Um sim ou,
bem, um não, me fizeram
abrir novos caminhos, abandonar caminhos.
Até que
topei, uma noite, com a Poesia
passava voando de um lado para outro
segundo o capricho de minhas ternas amadas
que do amor, só sabiam fazer amor.
A Poesia
me disse com solvência:
Para viver, um homem, não necessita voar
menos ainda de um lado para outro atrás de sua amada.
Um homem deve ter os pés à altura dos pés.
A alma ao
alcance de uma breve carícia,
o sol sobre a terra na hora do sol,
o corpo e a palavra qual rios disponíveis
e à noite algum sonho, uma história de amor.
Um homem
tem todas suas esperanças no homem.
Um homem tem como bandeira a liberdade.
Dá-lhe água ao sedento e luta por um pedaço de pão
e ama, faz como que ama mas não sabe amar.
Um homem,
disse a Poesia, com severidade,
um homem sabe que morrerá e não lhe importa.
Sabe que morre quando escreve e, no entanto, escreve.
Sabe que cada amor lhe mata e, no entanto, se enamora.
Um homem,
lhe disse, ambiciona voar
e mesmo que não possa não lhe importa.
Ambiciona voar, ama a ilusão de voar.
Sentir nesse instante que algum dia...
Um homem,
Poesia, é capaz de matar,
é capaz de comer o coração amado,
tirar da boca com asco um beijo de amor
e amar, de seus cautivos amantes, o dinheiro.
Também uma
tarde qualquer um homem
se deixa acariciar por uma brisa, um ar,
um sentimento o golpeia no peito
e o pobre homem caindo se enamora.
E faz como
se tivesse sangue nas veias
e salta e corre e se acaricia com frenesi
e quer se entregar, totalmente, por amor
e, aí, vem a polícia e o encarcera.
Me segues,
Poesia? Do homem falamos.
É capaz de morrer por ideais falsos
capaz de fazer a guerra por quase nada
deixar morrer sua outra metade, em silêncio.
Se mete no
centro do vulcão e o desafia.
Quer atravessar os oceanos com seu corpo,
tocar a imensidade, o céu com seus versos
esburacar o ventre da montanha, a pedra.
O homem
quer chegar com seus pulsares
ao centro desconhecido da terra,
à vida íntima de todos seus amantes,
quer chegar, ao coração das coisas.
E se enamora, Poesia,
e apodrece como uma flor ao sol
quando alguém morre ou o abandona.