13 de Agosto de 2004
Buenos Aires
RECITAL POÉTICO MUSICAL "MIGUEL OSCAR MENASSA." acompanhado pelos ÍNDIOS GRISES
em A nave dos sonhos.
• COMO ELEFANTE TRISTE
Desejo
fazer amor em pleno verão,
como em minha terra faziam os sem-terra,
reclamavam uns aos outros
e já não havia amor.
Fazer amor,
me digo, com determinação,
com certa traição,
como acontecia às mulheres de meu povo,
com seus amores únicos.
Fazer amor
até romper
o equilíbrio que me permite amar.
Como as
flores que agonizam,
queimadas, rotas,
pelo mesmo sol que lhes deu vida.
Agora,
nesta lenta manhã de verão,
quero que o vento produza,
esse som agudo e desgarrado,
do amor sem barreiras.
Como fazem amor as mariposas,
onde vermes e asas,
se juntam para morrer.
Hoje
quisera praticar o amor bestial.
Como os cerdos fazem e as gaivotas,
e os vampiros quietos e as vacas.
Fêmea e macho, animais em esmêro,
sem palavras.
E um
dia disse:
hoje quero amar tudo o que aconteceu.
E minha vida se encheu de mortos.
Confesso haver sido como eles,
cheguei a gozar sentado numa cadeira,
quieto, sem alma, esperando um verso.
E, depois,
gostaria de amar,
de país em país, de oceano a montanha
e deixar-me cair como os soldados
que morrem abraçados à arma que os mata.
Tenho que
amar, me digo, tenho que amar.
Como amam os jovens na primavera,
sem importar-lhes nada, burlando-se do mundo.
Gostaria,
porque não, de fazer amor
estendendo-me em um verso,
como as letras,
as palavras fazem
e me ponho ciumento
porque não posso tanto
e choro como uma mulher,
o que defendendo como homem
não serviu para nada.
Amar, hoje
me permitiria amar.
Seria o homem morto-vivo,
que a mulher deseja.
Ficar quieto, digo,
atar-me, sem mais, ao porvir.
Beijar a boca que beija o universo
e apagar a luz.
Hoje é uma
tarde quente
de verão na Europa.
E quem se o imaginasse
não teria podido nunca
imaginá-lo assim:
Sentado e
escrevendo,
fazendo amor nas cloacas de minha cidade.
Conhecendo
a fundo a vida cotidiana.
”Amor e ódio se parecem”
amor e ódio se parecem,
gritava o condenado
e se abraçava
com ardor a suas próprias palavras
e amava
tudo o que não podia ser e caia,
se deixava cair sobre seu corpo.
Assim
quisera amar, assim quisera.
Com a alma partida de solidão,
sem que ninguém me veja chorar pelo perdido,
como elefante triste que não verão morrer.
Ela, um
dia, abriria suas portas,
para que eu entrasse, por fim, à vida.
Jovem príncipe entrando no palácio que lhe corresponde.
Eu crescia
e meus amigos cresciam
e tudo era esperança.
Estávamos
aniquilados por uma ilusão:
Ela um dia
abriria suas pernas, suas portas, suas janelas
e nós entraríamos nELA como ELA em nós
e, nesse instante, o reino dos céus na terra,
seria a cultura.
Com o
tempo, esperando e fazendo nossas coisas,
-esperando de dia, fazendo nossas coisas pela noite-
fomos transformando todas as ilusões em bandeiras.
Saimos à
rua para gritar:
a cultura é
nossa!
a poesia ao
povo!
a mulher à
poesia!
Gritávamos
de tudo, depois,
percebemos os uivos de Hiroshima,
empobrecendo qualquer dor.
Deixamos de gritar.
Com os dentes apertados,
com uma palpitação interior, inacreditável,
como se a vida fosse isso, apertar os dentes.
Na quietude
desse silêncio passaram anos.
Éramos
obstinados, amávamos com fervor as ilusões
e essa paixão entre os gelos,
fogo brutal que ainda me sobrevém
e canta no próprio centro do silêncio mortal,
-que me sobressalta para matar-me-
uma canção,
última entre teus braços.
Adeus,
velho deleite quando menino
e pensava chegar às estrelas.
Minha senhora, guardarei em meu coração as marcas
de ter feito amor com você e algum dia,
não me perdoarão e, no entanto, me confesso:
Eu fui
feliz entre suas carnes de violetas.
Quantas
vezes um soneto fez estalar meu coração de porvir.
Quantas
vezes a harmonia, a perfeita harmonia, vosso Deus,
fez que de meus olhos caissem uma lágrima.
E embalando
meus filhos,
soube recitar, compassadamente,
dos grandes poetas, os melhores versos.
E viajei
pelas sílabas buscando a longitude exata da noite.
E calculei
o destino de uma vogal durante anos.
E me atei
às palavras.
E vivi
amarrado entre as folhas dos livros.
De seguir
por esse caminho me tocava a glória,
mas, uma tarde, inexplicavelmente, comecei a crescer.
As palavras
não cabiam nas frases.
As frases caiam da página.
Meus
sentimentos agrandavam o coração do mundo perigosamente.
E ao
caminhar,
tropeçava com as palavras
e caia.
Uma
e outra vez.
E as palavras
se metiam por meus olhos abertos
e me deixavam cego, e aí,
precisamente, vazio de negruras,
transparência onde a brancura faz pensar no inferno,
a Poesia me estendeu sua mão e nessa algaravia,
-bêbados de nos termos encontrado-
rompemos,
cambaleandojuntos, todas as barreiras.
Ela
deformou seu ser no encontro
e eu,
entreguei minha vida no adeus.
Adeus, pois
o poeta há de seguir viajando.
E se meu amor lhes desgarra ao se romper,
esse é o som, forte, da liberdade,
ruído de cadeias fazendo-se pedaços.
Adeus, pois
já estive aqui, em meu lugar.
E lhes entreguei meu amor, meu corpo feito pedaços,
a voz clarividente de meus versos
e essa mirada minha, aberta ao universo.
Adeus, pois
o poeta há de seguir viajando
e como alguém me amou neste povo
e como alguém, seguramente, algum me mirou,
não o penso
mais, antes de ir,
antes de começar a nova travessia,
toco esses lábios, beijo essa solidão.