25 de Agosto de 2004 em Buenos Aires
RECITAL DE POESIA "Clube de amigos da Vaca Profana." TOM LUPO
RECITA A: TOM LUPO
• FERNANDO PESSOA
(Alvaro de Campos)
ODE TRIUNFAL
À dolorosa
luz das grandes lâmpadas elétricas da fábrica,
tenho febre e escrevo.
Escrevo rangendo os dentes. Fera! Para a beleza disto.
Para a beleza de tudo isto, totalmente desconhecida
pelos antigos.
Oh! Rodas. Oh! Engrenagens....r-r-r-r-r-r-r-r-r-r-r eterno.
Tenho os lábios secos, oh! Grandes ruídos modernos,
de ouvi-los muito de perto e me arde a cabeça
de querê-los cantar com um exceso de expressão
de todos meus sentidos. Com um exceso contemporâneo
de vocês oh! máquinas.
Com febre,
e olhando os motores como a uma natureza tropical.
Grandes trópicos humanos de ferro e fogo e força.
Canto, e canto o presente e também o passado e o futuro.
Porque o presente é todo o passado e todo o futuro.
E há Platão e Virgílio nas máquinas e as luzes elétricas,
só porque houve antes e foram humanos, Virgílio e Platão.
E pedaços do Alexandre Magno do século talvez cinqüenta.
Átomos que irão ter febre no cérebro de Ésquilo no século cem,
andam por estas correias de transmissão e por estes êmbolos e por estes
volantes, rugindo,
rangendo, vaiando, aturdindo, chispando,
fazendo-me um excesso de carícias no corpo, uma carícia na alma.
Ah! Poder expressar-me todo, como um motor se expressa. Ser completo, como uma
máquina!
Poder andar triunfante pela vida como um automóvel
último modelo, poder ao menos penetrar-me fisicamente de tudo isto, rasgar-me
todo,
abrir-me completamente, tornar-me poroso a todos os perfumes de azeites e
calores e
carbonos, desta flora estupenda, negra, artificial e insaciável.
FRATERNIDADE COM TODAS AS DINÂMICAS!!
Promíscua
fúria de ser parte-agente do rodar férreo cosmopolita,
dos trens esforçados, do giro lúbrico e lento das grúas,
do tumulto disciplinado das fábricas e do quase-silêncio vaiante
e monótono das correias de transmissão.
Hé-ló as
ruas, hé-ló as praças. Tudo que passa! Comerciantes, preguiçosos,
membros evidentes de clubes aristocráticos, esquálidas figuras incertas, chefes
de família
vagamente felizes!
Tudo o que passa, tudo o que passa e nunca passa!
A maravilhosa beleza das corrupções políticas, os deliciosos escândalos
financeiros e diplomáticos!
As notícias desmentidas dos jornais, os artigos políticos insinceramente
sinceros!
O cheiro fresco a tinta de tipografia!
Os cartazes postos recém, ainda molhados!
Como os amo, como os amo a todos, a todos. Como os amo de todas as maneiras. Com
os
olhos e os ouvidos e com o olfato!
E com o tato (e o que tocá-los representa para mim!)
E com a inteligência como uma antena que fazeis vibrar!
Ah, que
ciúmes de vocês têm todos meus sentidos!
Oh abonos, oh progressos da agricultura!
Oh mostruários dos viajantes de comércio, cavaleiros andantes da indústria,
prolongamentos humanos das fábricas e os calmos escritórios!
Oh
pulseira dos relógios, oh manequins, oh artigos inúteis que todos querem
comprar!
Olá anúncios elétricos que vem, estão e desaparecem!
Olá canhões, metralhadoras, submarinos, aviões!
Amo todos, todos como uma fera.
Os amo carnivoramente, pervertidamente e atirando minha vista em vocês, oh
coisas banais, úteis, inúteis.
Oh coisas modernas, oh minhas contemporâneas, forma atual e próxima do sistema
imediato do Universo!
Nova revelação metálica e dinâmica de Deus!!
Oh
fábricas, laboratórios, cabarés, Lua Parks!
Oh encoraçados, oh pontes, oh diques flutuantes...!
Em minha mente turbulenta e acesa, os possuo como a
uma mulher bela, completamente os possuo como a uma
mulher bela a quem não se ama, a quem se encontra
casualmente e se acha interessantíssima.
Hello
ascensores dos grandes edifícios!
Hello mudanças de gabinete!
Parlamentos, políticos, pressupostos, pressupostos falsificados!
(Um pressuposto é tão natural como uma árvore e um parlamento tão belo como uma
mariposa).
Hello o
interesse por tudo na vida!
Porque tudo é a vida, desde os brilhantes nos relógios, até a noite, ponte
misteriosa
entre os astros.
Eu podería
morrer triturado por um motor, com o sentimento de deliciosa entrega de uma
mulher possuída.
Atire-me dentro dos fornos!
Meta-me debaixo dos trens!
Golpeiem-me a bordo dos barcos!
Masoquismo, masoquismo através das maquinarias!
Oh
multidões cotidianas nem alegres nem tristes das ruas,
rio multicolorido anônimo onde eu me posso banhar como quero.
Ah, que vidas complexas, que coisas lá nas casas!
Ah, a todos conhecer suas vidas, as dificultades de dinheiro, as discussões
domésticas, as
perversões que não se suspeitam, os pensamentos que cada um tem a sós consigo em
seu quarto e os gestos que faz quando ninguém o pode ver!
Não saber tudo isto é ignorar tudo, oh que raiva!
(Na nora
da quinta de minha casa da infância, o burro dá voltas, dá voltas, dá
voltas, e o mistério do mundo é do tamanho disto).
Mas ah
outra vez a raiva mecânica constante!
Outra vez
a obsessão movimentada dos ônibus e outra vez a fúria de estar indo ao
mesmo tempo em todos os trens de todas as partes do mundo, de estar dizendo
adeus a
bordo de todos os barcos.
Ea trens,
ea pontes, ea hotéis na hora de comer,
ea aparatos de todas as espécies, férreos, brutos, mínimos, instrumentos de
precisão,
aparatos de triturar, de cavar, trados, rotativas!
Ea ea ea!
Ea eletricidade, nervos enfermos da Matéria!
Ea telegrafia sem fios, simpatia metálica do Inconsciente!
Ea túneis, ea canais!
Ea todo o passado dentro do presente!
Ea todo o futuro já dentro de nós!
Ea ea ea!
Giro, rodeio, me elevo.
Me engancham em todos os trens.
Me içam em todos os moles.
Giro nas hélices de todos os barcos.
Ea ea ea!
Ea, sou o calor mecânico e a electricidade!
Ea e hurra por mim e por tudo e por todas as máquinas trabalhando!
Trepar com tudo por cima de tudo!
Hup-lá, hup-lá, hup-lá!
Ho-o-o-o-o-o!
Z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z-z!
Ah merda, não ser eu toda a gente e todas as partes!